domingo, 26 de abril de 2020

O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis - Lúcio Bittencourt


• BITTENCOURT, Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1968.


1.      ORIGEM DO CONTROLE JURISDICIONAL DA CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS.
a.      O autor refuta a criação do controle de constitucionalidade como sendo derivado e necessário dos sistemas de Constituição rígida, ao demonstrar que, por exemplo, na Europa, onde se adota tal concepção, não há revisão judicial. Aliás, refuta a própria classificação, apontando descolamento da realidade e o não enquadramento de qualquer ordenamento em apenas uma classificação [no interior de suas dicotomias, como rígida x flexível].
b.      Aprova-se a classificação dos sistemas constitucionais em três tipos:
                                                              i.      Inglês, onde não há Constituição escrita (inconstitucional = não tem conteúdo).
                                                            ii.      Continental, onde a Constituição escrita não se submete a revisões judiciais (inconstitucional = censura).
                                                          iii.      Americano, cuja Constituição é respeitada com base no controle de constitucionalidade dos atos realizados pelo Congresso (inconstitucional = nulidade).
c.       A ideia da Corte de Justiça como guarda da Constituição nasceu nos Estados Unidos, durante a prática constitucional, pela jurisprudência, principalmente a partir do caso Marbury v. Madison, através do juiz Marshall.
d.      A doutrina de Marshall apresentou alguns perigos de perda de eficácia em determinados momentos, tanto por sua própria ação, quanto por ações de terceiros que foram de encontro à compreensão da função da Corte, atribuindo-lhe apenas um caráter opinativo, e não terminativo, afetando a concepção da supremacia do Judiciário, marshalliana. → superadas as crises, a orientação do caso Marbury v. Madison se sustentou como postulado fundamental do regime democrático [do tipo americano].
e.       Algumas críticas são direcionadas à decisão marshalliana. A primeira é sobre tê-la como uma usurpação de poder, por não haver, na Constituição, faculdade outorgada para tanto, dando ao Judiciário uma supremacia em um sistema de “freios e contrapesos”, sem restrição ou controle deste pelos outros poderes. Os juristas, todavia, acreditam que a inferência é manifesta e seria competência irrefutável do Judiciário para a função revisional; outros não veem a situação como tão clara assim. → o poder não foi conferido explicitamente, e decorre da interpretação de diversos artigos constitucionais.
f.       A democracia americana não tem como base a intervenção popular no processo legislativo, mas na garantia dos direitos fundamentais e imutáveis, o que justifica a supremacia do Judiciário na guarda e defesa da Constituição. A atuação da Suprema Corte era, portanto, excepcional, nos casos, na invocação de uma das partes, em um litígio, invocar uma colisão com princípio da lei fundamental.
g.      É posterior o reconhecimento da declaração de inconstitucionalidade mesmo que não realizada especificamente sob invocação dos remédios jurídicos tradicionais, estendendo o poder da Suprema Corte nessa competência, alegando-se ausência de qualquer limitação nesse sentido pela Constituição, desde que o caso envolvesse processo contraditório real, e não fictício ou hipotético.
2.      JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
3.      CONCEITO DE “INCONSTITUCIONALIDADE”
a.      A alegação de conflito constitucional em relação ao “espírito” da Constituição é de conflituosa compreensão, visto que a Carta Magna, enquanto obra eclética, não se filia a apenas uma corrente política.
b.      Para afirmação de inconstitucionalidade, é necessário haver incompatibilidade com norma ou princípio constitucional, não apenas em sua literalidade, mas também no “espírito” de tal dispositivo.
                                                              i.      A validade do ato jurídico é considerada com base nos preceitos constitucionais; portanto, para asseverar o contrário, não é suficiente apontar contraposição aos princípios republicanos, da justiça ou do governo, mas evidenciar-se objetivamente em relação aos preceitos, já que o espírito “se encontra manifestado na própria letra”.
c.       Há inconstitucionalidade a ser manifestada pelos tribunais quando a lei se contrapõe à Constituição, mesmo à preceito que, por natureza ou conteúdo, não aparenta deter matéria fundamental.
4.      O FUNDAMENTO JURÍDICO DA INCONSTITUCIONALIDADE
a.      A consequente inaplicabilidade de lei declarada inconstitucional advém do princípio lógico-sistemático da hierarquia entre as leis, de modo que essa incompatibilidade gera a existência de leis vistas como contrárias ao direito.
b.      Havendo incompatibilidade, uma está contra a outra; a resolução se dá a favor da norma de grau superior no sistema escalonado de normas, principalmente quando o conflito é em relação à Constituição – fonte de todos os poderes constituídos.
c.       A Constituição é a matriz de todas as espécies normativas; portanto, as leis ordinárias são determinadas e, em último grau, são meras aplicações das previsões constitucionais. Em virtude disso, pelas limitações constitucionais, o Parlamento se torna mero mandatário da Constituição, não sendo possível contrariá-la (por procedimento ordinário, por exemplo).
d.      Na consideração sobre a imutabilidade (relativa) da Constituição, dá-se a distinção entre Poder Legislativo (Ordinário) e Constituinte, que sustenta a tese de supremacia da Carta Magna, de modo a assentá-la como parâmetro de controle enquanto Estatuto Fundamental, alterável apenas de uma mesma forma, e não aplicando os dispositivos que o contrapõem.
e.       Não há conflito na declaração de inconstitucionalidade pelos tribunais: é apenas a preferência pela Constituição – instrumento de vontade do povo – à vontade de seus representantes, analisado o conflito, reafirmando a supremacia dos cidadãos.
5.      A INCONSTITUCIONALIDADE E SUAS MANIFESTAÇÕES
a.      A inconstitucionalidade basicamente se manifesta em quatro situações.
b.      A primeira é o desrespeito à forma prescrita, cuja ineficácia se dá ao desrespeito das fórmulas constitucionais para a ação legislativa, limitando-a, além da própria forma de publicação determinada por lei e a inserção no Diário Oficial.
c.       A segunda é a inobservância da condição estabelecida, estritamente relacionada à coatividade das normas constitucionais; para ser reconhecida a validade de determinado ato normativo, é necessário que as circunstâncias previstas para sua existência sejam, integralmente, respeitadas – senão, caracteriza-se inconstitucionalidade por omissão.
d.      A terceira é a ausência da competência ao órgão legiferante. Diferente do modelo inglês – que preza pela supremacia e soberania do Parlamento –, nos países que adotam o tipo americano as autoridades legislativas não possuem tal condição, dado que, nesses Estados, a supremacia é da Constituição, sendo intangível, ilimitada, absoluta e a fonte dos poderes dos órgãos ao determiná-los e restringi-los. Essa situação é observada tanto pela não determinação de certos poderes ao Congresso para redigir legislação sobre certa matéria como também quando houver invasão deste em competências de outros entes, configurando usurpação por parte da legislatura.
e.       A quarta é a violação de direitos e garantias protegidos pela Constituição, sendo o caso mais constante de fundamentação de inconstitucionalidade, segundo o autor, agindo de modo manifesto, explícito a tornar a lei ineficaz. A violação pode se dar de modo mediato ou indireto, ao lesar direitos e garantias, implícitos ou não, desde que constituintes do regime democrático apregoado, decorrentes dos pilares que sustentam a sua vigência.
6.      A PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE
a.       É pacífico o entendimento doutrinário do princípio da presunção de constitucionalidade dos atos normativos publicados, pois, ao momento de sua publicação e início de vigência, as discussões concernentes à consonância com a Lei Magna já foram examinadas e apuradas, de modo que se presume boa e válida a espécie normativa. Essa concepção se apresenta principalmente sob o argumento de que, com a existência e colaboração das comissões técnicas (principalmente CCJ), para o Legislativo, e os instrumentos jurídicos e precedentes judiciais, para o Executivo, são suficientes para a compreensão dos dispositivos constitucionais e os atos, portanto, são, teoricamente, válidos.
b.      Desse modo, a decisão nos tribunais, quando não há violação clara, completa e inequívoca, é sempre a favor, e não contra a presunção de constitucionalidade (uma espécie de “in dubio pro lege”). A declaração de inconstitucionalidade, por sua vez, só deve ser executada quando da impossibilidade de compatibilização da lei em relação à Constituição, devendo haver a maior harmonização possível pelo julgador antes de fazê-lo, como é possível, por exemplo, através da adoção de uma interpretação que permite a sua eficácia.
 

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