domingo, 26 de abril de 2020

Direitos Fundamentais, Ponderação e Racionalidade – ROBERT ALEXY


1.                  Duas construções de direitos fundamentais.
Existem nas constituições dois tipos de normas: as constituintes e organizadoras da dação de leis; do Executivo e da jurisdição – em suma, do Estado – e as limitadoras e dirigentes do Estado, como os direitos fundamentais, resultando numa dicotomia de suposta validade universal, decorrente do abstracionismo.
Há duas construções de direitos fundamentais distintas: a “construção de regras”, estreita e exata, e a “construção de princípios”, larga e ampla. Ambas são tendências fundamentais distintas e a qualificação de uma ou outra como melhor é questão central da interpretação de cada constituição.
A primeira construção assevera que não há distinção entre as normas que preveem direitos fundamentais e as demais normas do ordenamento. Por óbvio, as primeiras ocupam lugar distinto no “topo” do sistema jurídico, abarcando direitos de grande abstração e significado; entretanto, não justifica a distinção fundamental de tipo estrutural: são normas jurídicas e podem ser aplicadas como quaisquer outras. A singularidade da categoria está na proteção de determinadas condições do cidadão, de forma abstrata, ante o Estado.
Na segunda construção, normas de direitos fundamentais vão além da proteção de determinadas posições contra o Estado.
Alemanha, Tribunal Constitucional Federal (TCF), 1958: o caso Lüth ganha extrema importância para o direito. Veit Harlan era produtor de cinema, e estava dirigindo um filme chamado “Amada Imortal”, que, em si, não continha problema algum – a questão era o histórico de Varlan: ele havia sido responsável pela veiculação de ideais nazistas através de seus filmes, no auge do nazismo, principalmente com o “Judeu Doce”, de 1941, o que ficou marcado na consciência da etnia vítima do governo totalitário alemão. Antes do lançamento d’”Amada Imortal”, Eric Lüth lidera um boicote, principalmente com um forte manifesto contra o cineasta, convocando a população para integrá-lo; daí resultou o fracasso da produção. Veit e os empresários impetram e ganham ação, alegando violação do Código Civil alemão, nas instâncias ordinárias, mas Lüth recorre ao TCF, que considera a liberdade de manifestação de opinião prima facie, contendo, entretanto, certas limitações – é o caso das “leis gerais”, como a aplicação do Código Civil.
Para a construção de regras, duas questões deveriam ser respondidas:
1) O boicote de Lüth pode se subsumir ao conceito de manifestação da opinião? Sim, de acordo com o Tribunal;
2) O Código Civil é aplicável? Para o Tribunal de Segunda Instância de Hamburg, sim, pois a chamada infringia aos bons costumes (impedia o reaparecimento de Harlan, de cujo processo penal fora absolvido e em processo de ‘desnazificação’). Para o Tribunal Constitucional, as subsunções isoladas são insuficientes, afirmando ser necessária uma ponderação entre princípios constitucionais conflitantes quando da limitação de direito fundamental; destarte, conclui pela primazia da liberdade de opinião perante os demais princípios contrários, com uma interpretação do Código Civil de acordo com essa prioridade, dando a Lüth a vitória da causa.
A sentença reuniu três ideias:
1) Os direitos individuais não se resumem a garantia de direitos de defesa do cidadão, pois são “também um ordenamento de valores objetivo”, com “princípios que se expressam nos direitos fundamentais”, superando o puro caráter de regras e alcançando também uma posição principiológica;
2) Os valores jurídico-fundamentais ou princípios não se restringem a relação entre Estado e cidadãos, mas se estendem para “todos os âmbitos do direito”, há uma irradiação sobre todo o sistema e assume-se um caráter ubiquitário e
3) Valores principiológicos têm uma tendência à colisão, cuja resolução depende da ponderação, “uma ponderação de bens”.

2.                  Crítica de Habermas da construção da ponderação.
Duas objeções são feitas por Habermas.
Primeiro, critica a retirada da força normativa dos direitos fundamentais em virtude da ponderação: ao ponderar, os direitos se tornam meros objetivos, programas e valores – perde-se a “primazia rigorosa” e se “cai em ruínas um muro de fogo”. Ademais, há o “perigo de juízos irracionais”, posto que o sopesamento não possui critérios racionais e, portanto, se realiza de forma arbitrária ou foge aos modelos hierárquicos costumeiros. São efeitos substanciais do modelo: amolecimento e irracionalidade.
Em segundo plano, há uma questão conceitual. Habermas afirma que não há mais uma dicotomia válido/inválido ou correto/falso e não mais se encontra no campo da fundamentação, mas se transplanta para uma análise de maior ou menor conveniência e se submete à discricionariedade. Os juízos de uma ponderação podem resultar, mas da ponderação não pode haver “autorização” a considerar o juízo como correto – destarte, é demonstrado que o preço para ponderar é a perda da categoria da correção.

3.                  A estrutura da ponderação.
No direito constitucional alemão, a ponderação integra as exigências criadas pelo princípio da proporcionalidade, que contém, em si, três subprincípios: o da idoneidade, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito – são mandamentos de otimização (exigem a realização na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas), como os direitos fundamentais principiológicos.
Os princípios da idoneidade e necessidade são otimizações quanto aos fatos: a idoneidade rejeita a aplicação de meios que prejudiquem a realização de um (ou mais) princípio sem fomentar um dos princípios ou objetivos a ser objeto da realização.
M não é idôneo para realizar P1
M prejudica a realização de P2
Se M for aplicado, prejudica P2.
Se M não for aplicado, não afeta P1 ou P2 à P1 e P2 são realizados em medida superior e, portanto, proíbem o uso de M.
A necessidade exige que, se dois meios são igualmente favoráveis a um princípio, deve ser escolhido o que for igualmente idôneo e menos intervir noutro princípio. Todavia, não há a consideração de que um terceiro princípio poderia ser afetado em virtude dessa escolha, o que torna necessária uma ponderação.
É na proporcionalidade em sentido estrito que se realiza a ponderação, revelando o significado da otimização em face das possibilidades jurídicas, é uma “lei da ponderação”: “quanto maior o não-cumprimento ou prejuízo de um princípio, maior deve ser a importância da realização do outro”, uma análise tripartite: da intensidade da intervenção, da importância do princípio e da justificativa da relação – o que revela juízos racionais, contrapondo-se a Habermas, trazendo resoluções distintas aos DFs. Uma metodologia possível a ser aplicada de modo a evidenciar uma ponderação fundamentada de modo racional seria a de um método constituído de análise de exemplos, evidenciando as pressuposições presentes nos casos ponderáveis. Intensidades de intervenção podem ser “leve”, “média” ou “grave”, havendo associações válidas em relação a cada um dos graus; ademais, o mesmo é possível quanto às razões ou motivações concorrentes.
Poderia haver uma objeção no que concerne a esse método por não ser aplicável elementos quantificáveis não influenciam ou não o fazem de modo significante no caso.
A réplica à questão suscitada se dá com base num exemplo de tensão que envolve a liberdade de expressão e direitos da personalidade: a revista satírica Titanic, em suas publicações, descreveu um oficial paraplégico convocado novamente às funções como “assassino nato” e “aleijado”. Tendo sido demandada uma ação aberta por este, o Tribunal Superior Regional de Recursos de Düsseldorf condenou a revista a pagar uma indenização de DM 12.000, que, por sua vez, optou por ajuizar uma queixa constitucional.
Nessa circunstância, o Tribunal Constitucional Federal adotou um balanceamento “específico-para-o-caso” entre a liberdade de expressão da revista e o direito à personalidade do oficial, analisando-se a intensidade de interferência e a relação entre ambos. A conclusão é de que a indenização por danos afetaria de forma duradoura a liberdade da revista de desenvolvimento de seu trabalho, e, contextualizando a sátira publicada quanto a ser “assassino nato”, de que havia um “dano ilegal, sério e antijurídico” à personalidade do oficial, mas de intensidade moderada, ou leve, ao direito. Em suma, a interferência ao direito à personalidade, para ensejar uma indenização, deveria ser séria e, entretanto, no caso, não o foi; desse modo, a interferência na liberdade de expressão seria desproporcional. Entretanto, no que concerne a ser chamado de “aleijado” foi admitido pelo Tribunal que houve sério dano, de modo que a proteção por meio de indenização era de grande relevância, posto que a expressão é humilhante e revela falta de respeito para um paraplégico. Portanto, a ação da Titanic só procedia quanto à indenização pelo primeiro caso, não pelo segundo.
A desproporcionalidade é uma relação entre “interferências reais e hipotéticas concorrentes”, de modo que a intervenção em um direito constitucional não justificada por outra intervenção hipotética de, pelo menos, mesma intensidade, em outro direito ou princípio constitucional, ou ser considerada através de uma razão para intervir, cuja interferência apenas se concretizaria se a primeira interferência fosse omitida, é desproporcional.
Para Alexy, a regra da desproporcionalidade evidencia uma relação entre juízos sobre níveis de intensidade (que são razões para o julgamento acerca da proporcionalidade) e juízos sobre proporcionalidade (que levantam pretensão à correção, e que se sustenta com base nos juízos sobre graus de intensidade – as razões), do que se conclui que não há, no balanceamento, ninguém fora do âmbito da justificação e da correção. Em contraposição ao que Habermas diz, os juízos sobre a intensidade da interferência em princípios ou direitos não são arbitrários, pois são dados em conformidade com boas argumentações, e, portanto, também dentro do quadro da argumentação, não podendo ser visto como “irrefletido”; ainda, não se encaixar em “padrões costumeiros” não é justificado na medida em que os precedentes, e não a correção, fossem o único parâmetro importante.
O balanceamento resiste à concepção de Habermas sobre a “muralha de fogo”. Na decisão em prol do oficial descrito como “aleijado”, notou-se a humilhação e o desrespeito dessa designação, o que poderia ser aprofundado como uma subversão da dignidade do mesmo, revelando-se uma violação de elevada seriedade, de modo que se alcançou determinado ponto em que a interferência no direito à personalidade poderia se sobrepujar através de fortalecimento das razões – é a lei de diminuição da utilidade marginal. Existe, portanto, um “núcleo duro”, um “centro de resistência”, que constitui o muro de fogo – ausente na teoria habermasiana.

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