domingo, 26 de abril de 2020

RE 635.659 - VOTO DO GILMAR MENDES



1.       Recorrente:
1.1.    RE, com repercussão geral, impugnando inconstitucionalidade ao art. 28 da Lei 11.343/2006, que criminaliza a posse ou cultura de drogas, com sanções de prestação de serviço, advertência sobre as consequências e medida educativa de presença em curso ou programa educativo.
1.2.    Essa tipificação para consumo pessoal violaria o art. 5º, X/CF, em que se determinam como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas à há proteção do espaço privado enquanto não prejudicador de terceiros; portanto, para criminalizar, deveria haver lesão a bens jurídicos alheios.
1.3.    Ademais, o art. 28 da Lei de Drogas tem como pressuposto a não extensão do fato para além da individualidade do agente, o que elucida a injustificada edição da norma em questão.
2.       MP:
2.1.    O bem jurídico tutelado é a saúde pública, pois as condutas prescritas coadunam socialmente para a difusão do vício.
2.2.    Embora não haja pena privativa de liberdade, isso não tem por consequência a extinção da natureza penal dos comportamentos criminalizados.
2.2.1. Não se deve adotar rigor técnico.
3.       A impugnação realizada se dá pelo viés da incompatibilidade com garantias constitucionais de intimidade e vida privada à proibição constitucional de crimes que apenas concernem à pessoalidade do agente.
3.1.    Do controle da constitucionalidade de normas penais:
3.1.1. Divergências entre direitos fundamentais e sua proteção – direito coletivo à saúde e segurança x direito à intimidade e à vida privada à parâmetros e limites do controle de constitucionalidade de leis penais, principalmente em consideração àquelas que objetivam conter riscos a bens jurídicos essenciais.
3.1.2. CF tipificou inúmeras condutas (art. 5º, XLI a XLIV; art. 7º, X; art. 227, SS4º, art. 225, SS3º) à demonstra importância em proteger direitos perante o Estado e também garantir direitos fundamentais de lesões causáveis por terceiros à DFs são, portanto, proibições de intervenção (ou de excesso) + postulado de proteção (ou proibição de proteção insuficiente).
3.1.3. Nem sempre há pretensão subjetiva, porém subjaz o dever estatal de realizar ou substancializar direitos fundamentais.
3.1.4. Discrição legislativa para proteção de bens jurídicos fundamentais, incluindo medidas penais à limitação pelo princípio da proporcionalidade à excesso no processo legislativo: desproporcionalidade meio-fim, contraditoriedade, incongruência ou irrazoabilidade à apreciação da necessidade  e da adequação da forma adotada para a consecução dos objetivos à meio não é necessário se houver outro modo adequado e menos gravoso à parâmetros para o controle de constitucionalidade penal.
3.2.    TC alemão à três patamares de intervenção/restrição aos DFs que podem ser relevantes para controle de lei penal.
3.2.1. Controle de evidência: espaço ao legislador de avaliação, valoração e conformação. Lei seria inconstitucional se evidentemente inidônea para proteção do bem jurídico.
3.2.2. Controle de justificabilidade: análise acerca do fato de a legislação ter sido elaborada após apreciação objetiva e justificável das formas de conhecimento possíveis, isto é, dos fatos/dados da realidade social de então à considerou os efeitos da aplicação da norma dentro de sua margem de ação.
3.2.2.1.             Fatos legislativos são relevantes na apreciação do parâmetro constitucional.
3.2.2.2.             Apenas verificando se, para a concepção da política criminal, o legislador valeu-se de dados é possível determinar a utilização da margem de ação de forma justificada ou não.
3.2.3. Controle material de intensidade: intervenções legislativas que, pela intensidade com que afetam aos bens jurídicos relevantes, devem ser submetidas a um rigoroso controle constitucional.
3.2.3.1.             Pela gravidade da interferência, o Tribunal pode negligenciar as valorações fáticas legiferantes para averiguar se a mesma é necessária e justifica-se por elevada imprescindibilidade para afetar direitos fundamentais.
3.2.3.2.             Deve ser observado se o legislador não poderia ter adequadamente garantido o direito de modo menos oneroso, com uma regulamentação inferior, ou era inexoravelmente compulsória à exame da ponderação do legislador de proporcionalidade entre intervenção e objetivos.
3.3.    Considerações sobre os crimes de perigo abstrato.
3.3.1. Crimes de perigo abstrato: não há necessariamente efetiva lesão ao bem jurídico regulado pela norma à a criminalização é pressuposta com base em um gênero de condutas que carregariam em si certo perigo indesejado a um bem jurídico, mesmo que não se concretize.
3.3.1.1.             Presunção absoluta sobre periculosidade de conduta ao bem jurídico protegido à perigo abstrato, delito se consuma apenas com a realização do comportamento descrito no tipo penal.
3.3.1.2.             É geralmente o modo mais eficaz de garantir bens difusos ou coletivos, como meio ambiente e saúde pública à direito penal preventivo.
3.3.1.3.             A corte afere a potencialidade da lesão aos bens jurídicos que passaram a ser tuteladas através da tipificação penal.
3.4.    Posse de drogas para consumo pessoal: políticas regulatórias
3.4.1. Proibição: determinar sanções criminais acerca da produção, distribuição e posse de drogas não medicinas ou de fins científicas à normas penais.
3.4.2. Despenalização: excluir pena privativa de liberdade quando da posse para consumo pessoal, além de outros comportamentos de ofensividade reduzida, sem descriminalizá-las (é o caso da posse de drogas em tela).
3.4.3. Descriminalização: excluir qualquer sanção criminal para posse de drogas de uso pessoal. Não é crime, mas também não foi legalizada; o comportamento permanece censurado administrativamente.
3.4.4. Redução de danos e de prevenção de riscos: programas e práticas que intentam extinguir as decorrências sociais reprováveis advindas do consumo de drogas, legais ou ilegais, psicoativas.
3.4.4.1.             Campo penal -> saúde pública = descriminalização + políticas de redução e de prevenção de danos.
4.       Análise da norma impugnada.
4.1.    Adequação da norma impugnada: controle de evidência e de justificabilidade.
4.1.1. Controle de evidência (medidas idôneas para proteção):
4.1.1.1.             Para uso pessoal, não há pena privativa de liberdade; há para usuários e traficantes.
4.1.1.2.             Entretanto, a criminalização do porte para uso pessoal não atende aos objetivos almejados quanto à saúde e ressocialização de usuários e dependentes.
4.1.1.3.             Mesmo com a despenalização, a tipificação tem por consequência a estigmatização e reduz as finalidades expressas no SISNUD quanto à redução de danos e prevenção de riscos, globalmente profusas à houve tratamento legal distinto para a participação no tráfico, porém não há diferença clara entre usuário e traficante à todos acabam considerados traficantes.
4.1.1.4.             Da pesquisa, depreende-se que:
4.1.1.4.1.                   A maioria é presa em flagrante, em abordagem de suspeitos, sozinhos e com menos de 100g de droga; exerce alguma atividade profissional e são jovens entre 18 e 29 anos, negros e pardos; sem antecedentes.
4.1.1.4.2.                   Uma reduzida minoria estaria envolvida com organizações criminosas.
4.1.1.4.3.                   A informação dada pelos policiais costuma ser a única para que o suspeito seja condenado [como traficante].
4.1.1.5.             Conclusão: Há incongruência entre criminalização para consumo pessoal e os objetivos legislativos quanto a usuários e dependentes à agrava-se o fato pela indistinção entre usuário e traficante; há, portanto, inadequação da norma impugnada à violação da proporcionalidade.
4.1.2. Controle de justificabilidade.
4.1.2.1.              Nada indique que repressão = melhor forma de combate ao tráfico; mesmo com “guerra às drogas”, aumentou o tráfico.
4.1.2.2.             A situação é oposta quanto à despenalização e à descriminalização à criminalização não influencia quanto ao consumo.
4.1.2.3.             Nem mesmo os dados disponíveis à época demonstravam com segurança que a incriminação da conduta seria sustentável.
4.1.2.5.             O projeto de Lei demonstra a contrariedade entre os meios aplicados e os fins ansiados, evidenciando o usuário como vítima; não se buscou informações técnicas quanto à posse para uso pessoal e a tutela do bem jurídico.
4.1.2.5.1.                   Incoerência: medidas educativas à penas.
4.1.2.6.             Conclusão: criminalização do consumo pessoal não está em compatibilidade com o princípio da proporcionalidade.
5.       Necessidade da norma impugnada: controle material de intensidade.
5.1.    Averiguar se intervenção legislativa em DFs é necessária para a proteção de bens jurídicos relevantes.
5.2.    Criminalização para consumo pessoal à direito penal não seria o instrumento correto, pois não há bem jurídico ‘assegurável’: o dano é pessoal.
5.3.    Tese do perigo abstrato à saúde à saúde coletiva = sem mercado de tráfico (= sem consumo); tráfico = + crimes contra patrimônio e violência.
5.4.    Análise da intensidade da intervenção e os fundamentos justificantes (proporcionalidade).
5.5.    Colisão entre DFs à noção de núcleo de proteção de DFs: “fração da vida protegida” por este direito à pode ser mais amplo ou restrito e portanto varia a restrição desse DF.
5.5.1. Direito não limitado + restrições = direito limitado à teoria externa: não há relação necessária, posto que essa se dá em virtude da compatibilização entre DFs.
5.5.2. Teoria interna: direito e restrição não são autônomos; conformam a ideia de direito fundamental com conteúdo à restrição = limite, conteúdo do próprio direito. à limites dos limites: constitucionais ao legislador; proteção do núcleo essencial do DF e clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições.
5.5.2.1.             Garantias institucionais: essência deveria ser garantida constitucionalmente.
5.5.3. O princípio da proteção do núcleo essencial procura impedir o esvaziamento do conteúdo do DF por restrições.
5.5.3.1.             Teoria absoluta: o núcleo, autônomo, sempre estaria protegido de decisão legislativa, independente qualquer caso concreto. Interpretação material de espaço livre de interferências do Estado à insuscetível de limitação, limite do limite.
5.5.3.1.1.                   Pode ser fórmula vazia à dificuldade in abstracto de encontrar esse núcleo; pressupõe elementos centrais e acidentais; pode sacrificar o direito.
5.5.3.2.             Teoria relativa: núcleo é definível casuisticamente, consoante à consecução desejada pela restrição à ponderação meio-fim, de acordo com a proporcionalidade à núcleo insuscetível de restrição/redução.
5.5.3.2.1.                   Flexibilização exagerada: DFs deixam de ser princípios centrais do sistema.
5.5.3.3.             Ambos intentam proteger os direitos fundamentais face às decisões legislativas desarrazoadas; todavia, há deficiências em ambas.
5.5.3.4.             HESSE: conciliação à há no princípio da proporcionalidade proteção contra arbitrariedades legislativas + contra lesões ao núcleo dos DFs.
5.5.3.4.1.                   Proporcionalidade deve significar tanto adequação da limitação ao objetivo quanto compatibilização entre fim e direito interferido.
5.5.3.5.             Na CF brasileira, há limite do limite na cláusula que veda emenda tendente a abolição dos DeGF.
5.5.4. Possíveis soluções à colisão de direitos em sentido estrito (= entre DFs) ou em sentido amplo (= entre DFs e outros valores que protejam interesses comunitários ou entre direitos fundamentais individuais e direitos coletivos e difusos). à hierarquia rigorosa entre DFs retiraria a unidade da CF enquanto complexo normativo.
5.5.4.1.             CC alemã: colisão entre direitos individuais x valores jurídicos de hierarquia constitucional à pode haver limitação a direitos individuais que não eram expressamente restringidos por lei.
5.5.4.2.             A ponderação deve se dar pela concordância prática.
5.5.4.3.             POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO: SAÚDE E SEGURANÇAS PÚBLICAS.
5.5.4.3.1.                   Acerca da importância de interesse coletivo com tutela penal, exige-se o dano potencial à conduta criminalizada à como os riscos a que sujeitam os interesses coletivos justificam sua transformação em proteção penal.
5.5.4.3.2.                   Para PUIG, a intervenção em direito coletivo só é justificável se há certo nível de lesividade individual que justifiquem a interferência do direito penal nessa matéria (tabaco não se criminalizou: medidas administrativas de restrição de consumo em locais públicos).
6.       Alternativas à criminalização
7.       Manutenção das medidas do art. 28 da Lei 11.343/2006
8.       Apresentação do preso por tráfico ao juiz competente
8.1.    Tratando-se das medidas da norma impugnada como de natureza puramente administrativa, não haverá prisão em flagrante e condução coercitiva ao juiz ou à delegacia.
8.2.    Há ainda prisão por posse, conforme art. 50, quando do tráfico (determinado por policial, art. 33) à haverá prisão em flagrante à apresentação imediata me juízo seria ideal quanto à segurança da classificação tráfico x uso pessoal, até que haja legislação com parâmetros mais objetivos.
9.       Dispositivo
9.1.    Provimento ao RE para:
9.1.1. Declaração de inconstitucionalidade do art. 28, retirando-lhe todo efeito penal, cabendo medidas administrativas até a respectiva legislação da matéria.
9.1.2. Interpretação conforme, para que o autor da conduta prevista no art. 48, SS1º e 2º seja notificado para comparecimento em juízo.
9.1.3. Interpretação conforme ao art. 50, de modo que o preso em flagrante por tráfico tem, como condição para transição prisão em flagrante à preventiva, a imediata apresentação ao juiz.
9.1.4. Absolver o acusado, por conduta atípica.
9.1.5. Determinar ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) providências para que:
9.1.5.1.             Órgãos passem a se articular para aplicar as medidas da norma impugnada em procedimento cível.
9.1.5.2.             Articular estratégias preventivas e de recuperação dos usuários de diversas drogas.
9.1.5.3.             Regulamentar a audiência de apresentação do preso ao juiz.
9.1.5.4.             Demonstrar relatórios das providências.

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