domingo, 26 de abril de 2020

Controle de constitucionalidade: evolução brasileira determinada pela falta do stare decisis - José Levi Mello do Amaral Júnior


AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Controle de constitucionalidade: evolução brasileira determinada pela falta do stare decisis in Revista dos Tribunais, n. 920, 2012, pp. 133 e ss.



1.      Controle de constitucionalidade: Evolução brasileira determinada pela falta do stare decisis – José Levi Mello do Amaral Júnior.Evolução do modelo de controle brasileiro: demonstração das marcas e determinações nesse processo pela busca de substitutos normativos em relação ao stare decisis[1]fator de funcionalidade e coerência decisórias do Common Law que não veio ao Brasil.
1.1.   Antecedentes do controle de constitucionalidade.
1.1.1.     A graphe paranomon, mecanismo de controle na Atenas antiga, é considerada o protótipo mais antigo de controle de constitucionalidade. Sua função era a de filtrar e verificar as deliberações realizadas em Assembleia em relação ao Direito antigo, considerado transcendental e superior, de seus antepassados, e os quais não poderiam ser contrariados.
1.1.1.1.           Esse mesmo controle também punia aqueles que propunham leis que não estivessem em consonância com o Direito, como também resultava na nulidade da proposta. Desse modo, a Assembleia não estava totalmente livre.
1.1.2.     Na Inglaterra, os juízes, como manifestantes do rei, proclamavam a justiça nos tribunais, unificando costumes e produzindo o common law, criando os precedentes para o stare decisis.
1.1.3.     Estados Unidos atribui uma supremacia aos juízes porque, em decorrência de seu passado colonial britânico, como companhia comercial, possuíam leis aprovadas por si, mas que se submetiam ao controle dos juízes das colônias. → cultura favorável à revisão judicial.
1.2.   Origem e características do modelo americano.
1.2.1.     Em uma breve análise do contexto histórico americano, marcado por disputas entre federalistas e republicanos no poder, demarca-se o primeiro momento de decisão de inconstitucionalidade pelo Chief Justice John Marshall em relação à lei federal para a expedição de um mandamus. Além disso, há outras decisões, como a do caso MacCulloch v. Maryland, em que se afirma a doutrina dos poderes implícitos e o princípio da imunidade recíproca, que reafirmam esse desenvolvimento.
1.2.2.     O modelo tem como características básicas ser:
1.2.2.1.           Difuso, pois qualquer juiz pode julgar a constitucionalidade da lei.
1.2.2.2.           Concreto, uma vez que a decisão de inconstitucionalidade advém de um caso concreto.
1.2.2.3.           Incidental, porque a constitucionalidade é julgada de acordo com incidente anterior à decisão do caso ad hoc.
1.2.2.4.           Inter partes, pois há coisa julgada apenas autor e réu, e a lei permanece no ordenamento jurídico, só não é utilizada no caso específico.
1.2.2.5.           Ex tunc, já que o vício está no plano da existência e a lei é considerada como inexistente para finalidades do caso concreto null and void, nula e írrita, sem efeitos.
1.2.3.     Uma vez determinada a inconstitucionalidade da lei pela Suprema Corte, essa lei referida não é mais aplicada pelos magistrados em casos concretos análogos, em decorrência do princípio “stare decisis et non quieta movere”, dando funcionalidade e coerência à revisão judicial americana.
1.2.3.1.           São hipóteses de exceção: a overruling (superação do precedente) e distinguishing (distinção decorrente de singularidade existente entre caso precedente e subsequente).
1.3.   Origem e características do modelo europeu.
1.3.1.     A Europa tomou os Estados Unidos como base para o controle de constitucionalidade.
1.3.2.     Kelsen identifica e responde às contraposições europeias em relação a esse mecanismo.
1.3.2.1.           A alegação é da incompatibilidade com a soberania parlamentar. Kelsen afirma que a soberania não está presente no órgão específico, mas em todo o ordenamento estatal em conjunto, estando a compatibilidade em consonância com a legitimidade da jurisdição e da administração.
1.3.2.2.           Além disso, outra crítica reside na invasão do Legislativo ao decretar nulo um ato legislativo. → para Kelsen, o Tribunal Constitucional, mesmo que dotado dessa forma, não possui função jurisdicional em exercício. É, na verdade, parte do Legislativo ao atuar na decisão de inconstitucionalidade, garantindo controle sobre esse órgão e o Parlamento.
1.3.2.3.           Características propostas:
1.3.2.3.1.                Número restrito na composição do Tribunal.
1.3.2.3.2.                Para nomeação deve haver eleição parlamentar + indicação pela chefia de Estado ou Governo.
1.3.2.3.3.                O Tribunal é um ambiente adequado para juristas de carreira.
1.3.2.3.4.                Não deve haver membros políticos, do parlamento ou do governo, a influenciar esse órgão. → seu poder expressar-se-ia apenas na eleição dos membros – melhor do que de forma oculta.
1.3.3.     O modelo europeu pode ser considerado:
1.3.3.1.            Concentrado, já que a Corte tem monopólio sobre o controle de constitucionalidade.
1.3.3.2.           Abstrato, uma vez que a lei específica é considerada inconstitucional, independente do caso.
1.3.3.3.           Principal, visto que a própria decisão sobre o julgamento é o cerne do debate do Tribunal.
1.3.3.4.           Erga omnes, com repercussão sobre toda a sociedade.
1.3.3.5.           Ex tunc.
1.4.   Evolução do modelo brasileiro.
1.4.1.     Direito brasileiro adotou formas americanas, adotando controle de constitucionalidade difuso e concreto de normas, através do Supremo Tribunal Federal, com recurso extraordinário.
1.4.2.     Não há, no Brasil, o stare decisis, que permite a funcionalidade e coerência decisórias. O julgamento de um caso pela Corte não vinculava os demais à mesma compreensão da situação. Em decorrência desse caso, surgem sucedâneos normativos para suprir a necessidade.
1.4.3.     O primeiro sucedâneo é uma competência do Senado Federal – Cf. CF/1988, art. 52, X: suspender, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário”.
1.4.3.1.           Declarada pelo Supremo a inconstitucionalidade, esse envia ao Senado a suspensão, que passa a recair sobre o próprio órgão receptor, passando a vigorar então de forma erga omnes, em contraposição ao anterior inter partes. Todavia, pela necessidade de declaração da inconstitucionalidade, esse controle não é capaz de repercutir a constitucionalidade de uma lei, havendo lacunas e divergências jurisprudenciais.
1.4.4.     O segundo sucedâneo surge a adoção da regra do full bench, exigindo que, nos colegiados, haja uma decisão por maioria absoluta dos membros, ou do órgão competente.
1.4.4.1.           A decisão gera stare decisis para o tribunal interno em demais casos análogos e não há julgamento do caso quando o Supremo Tribunal já arguiu sobre a mesma questão – gerando stare decisis entre Supremo e os outros tribunais.
1.4.5.     O terceiro sucedâneo é a representação interventiva, com caráter concentrado e abstrato das normas; o Tribunal passa a aferir a compatibilidade das leis estaduais com os “princípios sensíveis”.
1.4.6.     O quarto refere-se à adoção do controle concentrado e abstrato efetivamente, através da representação da inconstitucionalidade, não sendo limitada como o mecanismo anterior, podendo se impor tanto à lei federal ou estadual quanto qualquer outra que sobre a Constituição dispusesse, agindo de modo supletivo e corretivo.
1.4.7.     O quinto atribuiu força vinculante a novos mecanismos de controle concentrado e abstrato, incluindo a representação interpretativa, regulados pelo STF. Assim, a inconstitucionalidade passou a ser erga omnes e as interpretações da Corte se tornaram vinculantes.
1.4.8.     O sexto sucedâneo é a Constituição de 1988, transformando o controle concentrado e abstrato mais importante, elevando a legitimação ativa nas ações diretas.
1.4.9.     O sétimo é o efeito vinculante trazido pela Emenda Constitucional nº 3/1993, que trouxe como objetivo a ação declaratória de constitucionalidade; todavia, o efeito vinculante se tornou mais expressivo nas ADIs. Esse efeito objetiva atribuir maior eficácia às decisões do Tribunal, aos dispositivos e as causas determinantes. → relevante para a manutenção da vigência legislativa.
1.4.10.  O oitavo e último é a súmula vinculante, trazida pela Reforma do Judiciário. Aperfeiçoando a súmula, agora com efeito vinculante, uma vez aprovada por maioria qualificada de 2/3 do STF, além da repercussão geral para conhecimento de recurso extraordinário.
1.5.   Conclusão: modelo brasileiro não é misto + reflexão sobre vocação brasileira ao controle de constitucionalidade.
1.5.1.     O sistema brasileiro é uma acumulação de elementos dos dois sistemas, ou um sistema difuso, já que a inconstitucionalidade pode ser proferida por quaisquer juízes ou tribunais, pois há competência para tanto.
1.5.2.     O controle difuso e concreto também é importante para a proteção contra atos inconstitucionais e na defesa de direitos fundamentais.
1.5.3.     Adicionar um incidente de inconstitucionalidade, apreendida qualquer potencial inconstitucionalidade, independente da instância ou auto de qualquer processo, surge como uma melhoria potencialmente útil, atribuindo maior funcionalidade e coerência ao nosso modelo de controle.
1.5.4.     Para tornar o Supremo Tribunal Federal em um verdadeiro Tribunal Constitucional, seria interessante a fixação de mandatos, com renovações de parcelas iguais periodicamente da Corte para não permitir controle do Governo sobre esse órgão; e a eleição parlamentar com maioria qualificada para aprovação da indicação à Corte, exigindo consenso basilar para o indicado, acima das influências políticas.


[1] De acordo com a Wikipédia, Stare decisis é uma expressão em latim que se traduz como "respeitar as coisas decididas e não mexer no que está estabelecido", utilizada no direito para se referir à doutrina segundo a qual as decisões de um órgão judicial criam precedentes (jurisprudência) e vinculam as que vão ser emitidas no futuro. A frase vem de uma locução mais extensa, stare decisis et non quieta movere.”. STARE decisis. In: Wikipédia – a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Stare_decisis>. Acesso em 05 set. 2016, às 18:26.

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