• AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Controle de
constitucionalidade: evolução brasileira determinada pela falta do stare
decisis in Revista dos Tribunais, n. 920, 2012, pp. 133 e ss.
1.
Controle de constitucionalidade: Evolução brasileira determinada pela falta
do stare decisis – José Levi Mello do Amaral Júnior. → Evolução do modelo de controle brasileiro: demonstração das
marcas e determinações nesse processo pela busca de substitutos normativos em
relação ao stare decisis[1]
– fator de funcionalidade e coerência decisórias do Common Law que não veio ao Brasil.
1.1.
Antecedentes do controle de
constitucionalidade.
1.1.1.
A graphe paranomon, mecanismo de controle
na Atenas antiga, é considerada o protótipo mais antigo de controle de
constitucionalidade. Sua função era a de filtrar e verificar as deliberações
realizadas em Assembleia em relação ao Direito antigo, considerado transcendental
e superior, de seus antepassados, e os quais não poderiam ser contrariados.
1.1.1.1.
Esse mesmo
controle também punia aqueles que propunham leis que não estivessem em
consonância com o Direito, como também resultava na nulidade da proposta. Desse
modo, a Assembleia não estava totalmente livre.
1.1.2.
Na
Inglaterra, os juízes, como manifestantes do rei, proclamavam a justiça nos
tribunais, unificando costumes e produzindo o common law, criando os precedentes para o stare decisis.
1.1.3.
Estados
Unidos atribui uma supremacia aos juízes porque, em decorrência de seu passado
colonial britânico, como companhia comercial, possuíam leis aprovadas por si,
mas que se submetiam ao controle dos juízes das colônias. → cultura
favorável à revisão judicial.
1.2.
Origem e características do modelo americano.
1.2.1.
Em uma breve
análise do contexto histórico americano, marcado por disputas entre
federalistas e republicanos no poder, demarca-se o primeiro momento de decisão
de inconstitucionalidade pelo Chief
Justice John Marshall em relação
à lei federal para a expedição de um mandamus.
Além disso, há outras decisões, como a do caso MacCulloch v. Maryland, em que se afirma a doutrina dos poderes
implícitos e o princípio da imunidade recíproca, que reafirmam esse
desenvolvimento.
1.2.2.
O modelo tem
como características básicas ser:
1.2.2.1.
Difuso,
pois qualquer juiz pode julgar a constitucionalidade da lei.
1.2.2.2.
Concreto,
uma vez que a decisão de inconstitucionalidade advém de um caso concreto.
1.2.2.3.
Incidental,
porque a constitucionalidade é julgada de acordo com incidente anterior à
decisão do caso ad hoc.
1.2.2.4.
Inter partes, pois há coisa julgada apenas autor e réu, e
a lei permanece no ordenamento jurídico, só não é utilizada no caso específico.
1.2.2.5.
Ex tunc,
já que o vício está no plano da existência e a lei é considerada como
inexistente para finalidades do caso concreto → null
and void, nula e írrita, sem efeitos.
1.2.3.
Uma vez
determinada a inconstitucionalidade da lei pela Suprema Corte, essa lei
referida não é mais aplicada pelos magistrados em casos concretos análogos, em
decorrência do princípio “stare decisis
et non quieta movere”, dando funcionalidade e coerência à revisão judicial
americana.
1.2.3.1.
São
hipóteses de exceção: a overruling (superação do precedente)
e distinguishing
(distinção decorrente de singularidade existente entre caso precedente
e subsequente).
1.3.
Origem e características do modelo europeu.
1.3.1.
A Europa
tomou os Estados Unidos como base para o controle de constitucionalidade.
1.3.2.
Kelsen
identifica e responde às contraposições europeias em relação a esse mecanismo.
1.3.2.1.
A alegação é
da incompatibilidade com a soberania parlamentar. → Kelsen afirma que a soberania não está
presente no órgão específico, mas em todo o ordenamento estatal em conjunto,
estando a compatibilidade em consonância com a legitimidade da jurisdição e da
administração.
1.3.2.2.
Além disso,
outra crítica reside na invasão do Legislativo ao decretar nulo um ato
legislativo. → para
Kelsen, o Tribunal Constitucional, mesmo que dotado dessa forma, não possui
função jurisdicional em exercício. É, na verdade, parte do Legislativo ao atuar
na decisão de inconstitucionalidade, garantindo controle sobre esse órgão e o
Parlamento.
1.3.2.3.
Características propostas:
1.3.2.3.1.
Número restrito na composição do Tribunal.
1.3.2.3.2.
Para nomeação deve haver eleição parlamentar + indicação pela
chefia de Estado ou Governo.
1.3.2.3.3.
O Tribunal é um ambiente adequado para juristas de carreira.
1.3.2.3.4.
Não deve haver membros políticos, do parlamento ou do governo, a
influenciar esse órgão. → seu poder expressar-se-ia apenas na eleição dos
membros – melhor do que de forma oculta.
1.3.3.
O modelo europeu pode ser considerado:
1.3.3.1.
Concentrado, já que a Corte tem monopólio sobre o controle de
constitucionalidade.
1.3.3.2.
Abstrato,
uma vez que a lei específica é considerada inconstitucional, independente do
caso.
1.3.3.3.
Principal,
visto que a própria decisão sobre o julgamento é o cerne do debate do Tribunal.
1.3.3.4.
Erga omnes, com repercussão sobre toda a sociedade.
1.3.3.5.
Ex tunc.
1.4.
Evolução do modelo brasileiro.
1.4.1.
Direito
brasileiro adotou formas americanas, adotando controle de constitucionalidade
difuso e concreto de normas, através do Supremo Tribunal Federal, com recurso
extraordinário.
1.4.2.
Não há, no
Brasil, o stare decisis, que permite
a funcionalidade e coerência decisórias. O julgamento de um caso pela Corte não
vinculava os demais à mesma compreensão da situação. Em decorrência desse caso,
surgem sucedâneos normativos para suprir a necessidade.
1.4.3.
O primeiro sucedâneo é uma competência do
Senado Federal – Cf. CF/1988, art. 52, X: “suspender, no todo ou em
parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido
declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário”.
1.4.3.1.
Declarada
pelo Supremo a inconstitucionalidade, esse envia ao Senado a suspensão, que
passa a recair sobre o próprio órgão receptor, passando a vigorar então de
forma erga omnes, em contraposição ao
anterior inter partes. Todavia, pela
necessidade de declaração da inconstitucionalidade, esse controle não é capaz
de repercutir a constitucionalidade de uma lei, havendo lacunas e divergências
jurisprudenciais.
1.4.4.
O segundo sucedâneo surge a adoção da regra do full bench, exigindo
que, nos colegiados, haja uma decisão por maioria absoluta dos membros, ou do
órgão competente.
1.4.4.1.
A decisão
gera stare decisis para o tribunal
interno em demais casos análogos e não há julgamento do caso quando o Supremo
Tribunal já arguiu sobre a mesma questão – gerando stare decisis entre Supremo e os outros tribunais.
1.4.5.
O terceiro sucedâneo é a representação
interventiva, com caráter concentrado e abstrato das normas; o Tribunal passa a
aferir a compatibilidade das leis estaduais com os “princípios sensíveis”.
1.4.6.
O quarto refere-se à adoção do controle
concentrado e abstrato efetivamente, através da representação da
inconstitucionalidade, não sendo limitada como o mecanismo anterior, podendo se
impor tanto à lei federal ou estadual quanto qualquer outra que sobre a
Constituição dispusesse, agindo de modo supletivo e corretivo.
1.4.7.
O quinto atribuiu força vinculante a
novos mecanismos de controle concentrado e abstrato, incluindo a representação
interpretativa, regulados pelo STF. Assim, a inconstitucionalidade passou a ser
erga omnes e as interpretações da Corte
se tornaram vinculantes.
1.4.8.
O sexto sucedâneo é a Constituição de
1988, transformando o controle concentrado e abstrato mais importante, elevando
a legitimação ativa nas ações diretas.
1.4.9.
O sétimo é o efeito vinculante trazido
pela Emenda Constitucional nº 3/1993, que trouxe como objetivo a ação
declaratória de constitucionalidade; todavia, o efeito vinculante se tornou
mais expressivo nas ADIs. Esse efeito objetiva atribuir maior eficácia às
decisões do Tribunal, aos dispositivos e as causas determinantes. → relevante para
a manutenção da vigência legislativa.
1.4.10. O oitavo e último é a súmula vinculante, trazida pela Reforma
do Judiciário. Aperfeiçoando a súmula, agora com efeito vinculante, uma vez aprovada
por maioria qualificada de 2/3 do STF, além da repercussão geral para
conhecimento de recurso extraordinário.
1.5.
Conclusão: modelo brasileiro não é misto +
reflexão sobre vocação brasileira ao controle de constitucionalidade.
1.5.1.
O sistema
brasileiro é uma acumulação de elementos dos dois sistemas, ou um sistema
difuso, já que a inconstitucionalidade pode ser proferida por quaisquer juízes
ou tribunais, pois há competência para tanto.
1.5.2.
O controle
difuso e concreto também é importante para a proteção contra atos
inconstitucionais e na defesa de direitos fundamentais.
1.5.3.
Adicionar um
incidente de inconstitucionalidade, apreendida qualquer potencial
inconstitucionalidade, independente da instância ou auto de qualquer processo,
surge como uma melhoria potencialmente útil, atribuindo maior funcionalidade e
coerência ao nosso modelo de controle.
1.5.4.
Para tornar
o Supremo Tribunal Federal em um verdadeiro Tribunal Constitucional, seria
interessante a fixação de mandatos, com renovações de parcelas iguais
periodicamente da Corte para não permitir controle do Governo sobre esse órgão;
e a eleição parlamentar com maioria qualificada para aprovação da indicação à
Corte, exigindo consenso basilar para o indicado, acima das influências
políticas.
[1]
De acordo
com a Wikipédia, “Stare decisis é uma expressão em latim
que se traduz como "respeitar
as coisas decididas e não mexer no que está estabelecido", utilizada no direito para se referir à doutrina segundo
a qual as decisões de um órgão judicial criam precedentes (jurisprudência) e
vinculam as que vão ser emitidas no futuro. A frase vem de uma locução mais
extensa, stare decisis et non quieta
movere.”. STARE decisis. In:
Wikipédia – a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Stare_decisis>.
Acesso em 05 set. 2016, às 18:26.
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