domingo, 26 de abril de 2020

Existem direitos sociais? – FERNANDO ATRIA


1.      A concepção de direitos sociais é uma “contradição em termos”. Para desviar-se desse resultado, aponta-se outro modo de entender a acepção política de direitos.
1.      VISÃO LIBERAL (dominante): A burguesia exige, nos séculos XVII e XVIII, por meio de revoluções, o reconhecimento de certos direitos – “civis e políticos” –, através do qual vemos o estabelecimento do Estado de Direito princípio de distribuição (anterioridade da liberdade ao Estado e ilimitada) + princípio de organização (departamentalização do aparelho estatal) = formas institucionalizadas de garantir os direitos “naturais”.
1.A concepção dos direitos de primeira geração decorre da ideia de que o Estado é uma associação criada por seres humanos, e, por conseguinte, não-natural; portanto, esse conjunto de direitos é ontologicamente anterior à fundação do Estado e, concomitantemente, pressuposto de sua criação.
2.Direitos contra comunidade: 1) contra o Leviatã, criado para neutralizar a ameaça entre os indivíduos; 2) porque os membros da sociedade, enquanto contratantes, eram credores dela, de modo que sua finalidade era a garantia e proteção dos direitos.
3.Os direitos justificaram as revoluções burguesas. Em todas elas, observa-se a correlação entre as declarações de direito e a associação política como instrumento de conservação e proteção dos direitos, noção que se tornou fulcral para a identidade da autoridade dos sistemas políticos na modernidade.
4.A legitimidade está baseada nos direitos individuais.
2.      VISÃO REPUBLICANA E SOCIALISTA: As tradições republicana e socialista apregoavam que a constituição de uma comunidade de fundamento político está fundamentada na concepção de que o Estado deve prover um modo de vida mais humano, com as relações dos indivíduos pautadas em princípios de justiça, moralidade e razão.
1.O valor da comunidade consiste no relacionamento entre os membros baseado na solidariedade – melhor expressa no lema “a cada um de acordo com suas capacidades, a cada um de acordo com suas necessidades” –, que carregava o dever do bem-estar.
2.A solidariedade não pode ser tratada como direito (subjetivo), pois se trata de um princípio de essência distinta ao da categoria do direito, dado que, enquanto a primeira relaciona-se a uma percepção de altruísmo e primazia por outrem, o segundo conjuga a noção de conflito, de “ganhar ou perder” nas relações sociais, evidenciando a incompatibilidade entre ambos.
3.      Antes,
1.Unilateral: isolado, associação não traz direito e se fosse direito do cidadão, governos não seriam “para proteger”.
2.Formalista, condições formais para liberdade sem condições substantivas.
1.      Um fundamenta o outro; o primeiro extingue a acusação sobre o segundo.
4.      Direito de 1ª geração: total especificação do conteúdo do passivo: diz quem tem direito e, por isso, quem tem dever; esses direitos são naturais porque a condição de isolamento humano se satisfaz com a especificação de conteúdo.
1. Os direitos sociais não: com a especificação do aspecto passivo não há uma especificação completa do mesmo, pois não se trata de quem por eles ficam obrigados, a não ser quando se considera a inserção em sociedade, por meio de um “sistema impositivo progressivo” para cumprir o que fora determinado por esse conjunto.
5.      Passada a revolução, a discrepância da realidade social e da realidade jurídica ganhou novas expressões, perdendo o caráter emancipatório e elucidando a opressão que se constituía a favor dos maiores detentores de bens materiais; destarte, os direitos figuraram a partir de então como respeito à liberdade alheia.
1.Esse fato acarreta a construção de diversos termos socialistas para contraporem-se aos ideais da doutrina literal, unilaterais e formalistas.
6.      Para se falar de direito subjetivo, uma pessoa deve
1.Ter uma obrigação;
2.Há uma declaração de vontade de outrem que media a exigência jurídica;
3.Ter sido reconhecida ou criada pelo direito para atender ao interesse da outra.
7.      Para o autor, a ideia de que o direito (moral) a algo significa que há um recorte social na consideração da realização da obrigação x a alguém como justa, pois negligencia os demais aspectos morais envolvidos e as ações decorrentes da mesma ao avaliar e se basear na relação (que, portanto, tem peso moral superior) específica entre credor e devedor. A conclusão é de que o direito moral de obrigação é “moralmente lamentável”, portanto.
8.      Ao termos direitos declarados como conceito moral fundamental, há uma dupla valorização dos interesses que abarcam, tanto enquanto conceito fundamental – porque são os interesses mais relevantes, por exemplo – e enquanto direitos – ao não competirem com interesses não abarcados por direitos.
9.      O surgimento dos direitos de segunda geração está diretamente vinculado à contraposição ao formalismo vazio dos direitos de primeira geração como suficientes em si. Embora ambos os conjuntos pertençam a liberais e socialistas, a fundamentação para cada um desses grupos políticos é distinta.
1.Liberais passaram a sustentar os direitos sociais com a ideia de que estes representavam um tipo de seguro para o caso de necessidade. Alguns reconhecem “direitos de bem-estar”, mas ainda atribuindo sua ontologia prévia à comunidade, de modo a valerem-se do argumento de que a vida em sociedade não poderia encontrar-se em estado inferior (vida “solitária, pobre, desagradável, bruta e breve” de Hobbes) ao que se encontrava antes do pacto constitutivo.
2.Para os socialistas, os direitos sociais demonstram um nível superior de comunidade, uma nova forma de associação, de colaboração de seus membros em consonância com suas habilidades, de recebimento de acordo com as necessidades. O objetivo dos direitos de 2ª geração se expressa, a partir de então, a ser um instrumento para a redução da desigualdade social – e não apenas as condições básicas de pobreza.
10.  A noção de direito natural não se submete ao direito subjetivo; desse modo, não há a afirmação de que todos os indivíduos gozam dos direitos juridicamente, nem que todos devam ter, em seus respectivos Estados, os direitos subjetivos. Todavia, na atualidade é perceptível a predominância da tese parasitária dos direitos humanos sobre os subjetivos, dado que sua definição se dá com base na relação com os últimos.
1.A “declaração de direitos” é performativa, sem efeitos jurídicos, pretendendo mudar as estruturas sociais ao redor do globo enquanto o declara transformado, a não ser quando se declara direito cuja exigência de concessão é um direito subjetivo dotado, entre outros aspectos da categoria, de exigibilidade.
11.  O positivismo (ético ou ideológico) nasce com a finalidade política de asseverar a independência do direito enquanto instrumento político; essa é a corrente jurídica da concepção política moderna de que tanto o Estado quanto o direito são frutos das mãos humanas, e, portanto, artificialmente constituídos, o que permite sua reconstrução ou extinção.
1.Hodiernamente, a relação entre direito e política inverteu-se, sendo a segunda agora submetida à primeira – é a visão “legalista”. É a manifestação do direito como o modo de constituição da sociedade, quem é o povo que a constitui e como se deseja que a comunidade seja.
12.  Confronto político liberalismo x socialismo → direitos civis e políticos x direitos sociais à aparenta-se nova linguagem para a resolução de conflitos enganosamente – direito é parcialmente, mas não suficientemente dúctil, pois não se expressa sem distorcer os conflitos.
1.Direito subjetivo: é justo realizar a obrigação àquele que detém o direito independente de considerações substantivas(?), e, por conseguinte, imperam sobre considerações utilitárias ou desejos comunitários/bem-estar social, visto que os últimos não são razões suficientes para se sobrepujarem ao direito à na linguagem jurídica: não é preciso demonstrar ou utilizar-se de argumento de “melhoria no bem-estar social da sociedade” para exigir ou opor-se a um direito em juízo.
13.  Contradição em “direitos sociais”:
1.Quando analisada a desvalorização dos direitos sociais, o debate se esta pousa na vontade do constituinte (o que seria corrigido por uma alteração no conteúdo do direito) ou na natureza da exigibilidade jurídica (demonstrativo da incapacidade de proteção dos direitos sociais como se é possível fazer com os civis e políticos no aparato institucional) – ademais, é falha a tentativa de adequação do direito ao conteúdo por meio da distorção daquele.
2.Autores argentinos sustentam que os direitos só têm pleno reconhecimento quando há proteção jurídica dos mesmos, apresentando o que decorre das distintas formas de compreensão dos direitos pelo próprio direito – evidenciando-se a ductibilidade do direito. Para eles, se a manifestação da política se dá por meio do direito, e a linguagem jurídica é a linguagem da política, a promessa dos direitos sociais não deve ser considerada.
1.      Abramovich e Courtis acreditam que a exigibilidade jurídica (forma) se sobrepõe à realização política do direito subjetivo (substância).
a.       Politicamente incoerente, a tese é juridicamente ideal (sendo direitos, os direitos sociais devem ser demandáveis); ao não haver pretensão, não há direito subjetivo (ubi jus, ibi remedium). Ao serem reconhecidos como direitos, os sociais são reclamáveis tanto quanto os civis e políticos, por serem direitos, e não por sua geração.
b.      A exigibilidade dos direitos sociais é, para os autores, deveras restrita, posto que o juiz, por sua função, não pode fazê-los cumprir em seu sistema. Quando eles demonstram haver aspectos exigíveis, tornam a pontos que recuperam o ideário formalista, e não aos objetivos que se prestam os direitos sociais.
c.       Para que seja possível a demanda de um direito social, este não pode ser assim considerado no momento de exigência, já que se transfere para a esfera privada de interesse – “dessocializando-o” –, e obrigando ao Estado a sua prestação. Nesse caso, os autores aplicam “direito subjetivo” negligenciando o contexto subjacente da noção desse termo. A contradição dos direitos sociais reside em entender “direito” como direito subjetivo, portanto.
2.      Para Rosenkrantz, o fato dos direitos sociais serem direitos jurídicos que não poderão ser cumpridos significa um desgaste generalizável para toda a Constituição, afetando, inclusive, as promessas de proteção dos direitos civis e políticos. De modo a proteger a primeira geração – pois o seu interesse é de todos –, a proposta desse autor é de remoção da segunda geração do rol de direitos constitucionais; de outro modo, os direitos fundamentais correm sério risco.
a.       Uma Constituição nos moldes apresentados seria uma Constituição conservadora e de direita, ao desconhecer os direitos sociais.
b.      O argentino argumenta ainda a dissonância sobre os direitos sociais, posto que, ao transformá-los em direitos constitucionalmente protegidos, desconsidera a opinião contrária à visão deles instituídas. O direito é incapaz de enxergar, na totalidade, a linguagem socialista sobre os direitos subjetivos, pois esta não é traduzível sem ser distorcida em termos liberais.
3.      Atria, rebatendo a afirmação de Peces-Barba, demonstra que o direito ao trabalho não  deve considerar como aquele a ser defendido por tribunais, de obtenção específica de um cargo em uma empresa, mas de um contexto geral em que a comunidade entende como seu dever o de garantir a cidadania.
14.  Há distinção entre uma relação que pode ser definida em termos de linguagem do direito e outra em que se pode determinar primariamente em termos jurídicos, mantendo seus aspectos essenciais em si (a compreensão das partes se mantém).
1.Amizade, matrimônio e solidariedade: são relações que, ao serem juridificadas, perdem a sua natureza, pois já não existem as características fulcrais, respectivas e substanciais de cada uma dessas formas de vínculo.
2.Os direitos sociais exigem uma concepção de comunidade não consoante a uma sociedade que concede aos seus membros direitos em expressões de evidente instrumentais de conflito (ter ou não ter direito), afastando o desenvolvimento de noções de solidariedade e caridade e/ou instigando os litígios. Portanto, a comunidade dos direitos sociais e indivíduos “primariamente [...] portadores de direito” são incompatíveis.

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