domingo, 26 de abril de 2020

Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175 CE, Rel. Min. Gilmar Mendes



RELATÓRIO – Acórdão proferido pela Primeira Turma do TRF-5 teve sua decisão reiterada pelo STF, que indeferiu pedido de suspensão de tutela antecipada, e então a União interpôs agravo regimental que contraria o STF. A tutela seria de uma jovem portadora de doença rara, cujos familiares eram economicamente impossibilitados de sustentar o valor mensal de 52 mil reais para o tratamento que lhe permitiria melhor qualidade e maior tempo de vida. O objeto seria um medicamento pretensamente único capaz de proporcionar esses benefícios.

Segundo a União, tal remédio não detém registro na ANVISA (portanto, sua comercialização é proibida – entretanto, foi encontrado registro no site da agência) e também não integraria o protocolo do Sistema Único de Saúde. Ainda, em virtude do seu custo elevado, não seria contemplado pela rede pública de farmácias. Em conjunto com o Município de Fortaleza, alegaram a ineficácia do fármaco em relação ao tratamento, sem, todavia, demonstrar sua impropriedade.

VOTO – Min. Gilmar Mendes – O alto valor não pode justificar o seu não fornecimento pela rede pública. Recuperando noções doutrinárias, as noções de direito fundamental não incluem apenas uma vedação ao excesso estatal, mas também uma proibição de proteção insuficiente.
É importante, porém, que sejam feitas escolhas alocativas, de modo que se joga luz quanto ao tema da reserva do possível e escassez dos recursos – para que os direitos sociais (e quaisquer outros) sejam objeto prestacional, é preciso que haja o emprego de recursos públicos. O Judiciário é incapaz de uma análise contextual acerca da prestação do benefício à parte e seu impacto em virtude da aplicação de recursos públicos, podendo prejudicar o sistema. Entretanto, pela própria decorrência da substancialização da dignidade humana, os direitos sociais são tidos como imprescindíveis e aferir o mínimo existencial de cada um deles deve se submeter à apreciação judicial.

O direito à saúde não pode ser considerado como meramente programático, pois se trata de direito individual e coletivo e, se assim o fizesse, a eficácia do texto constitucional seria negado – subsiste, portanto, um direito subjetivo à promoção da saúde através de políticas públicas –, que, por sua vez, tem sido comprometida em virtude de questões relacionadas à implementação e à manutenção das políticas já vigentes. A situação de interferência do Judiciário não se pauta na criação, mas na determinação de cumprimento de políticas públicas de saúde. É sugerido que se apliquem certos parâmetros para a apreciação casuística sobre: haver ou não política acerca da prestação pleiteada; sendo negativa a resposta, analisar se houve omissão, decisão ou proibição; se existe motivação para o não fornecimento pela rede pública, ou outro tratamento já é oferecido pela rede pública; não havendo alternativa no SUS, se o tratamento objetivado é eficaz para o requerente e se é de caráter experimental ou é recente, ainda não tendo sido analisado pelo SUS. Assim, estabelece-se a necessidade de uma instrução correta para que cada ação seja especificamente examinada de acordo com suas particularidades inerentes.

A União alegou haver grave lesão à ordem, à economia e à saúde pública, além de violação da separação dos poderes e das normas e regulamentos do Sistema Único de Saúde, ((((ao haver desconsideração do papel inerente desenvolvido pela Administração Pública de desenvolvimento de políticas públicas)))).

VOTO – Min. Celso de Mello – É destacado o fato de que a responsabilidade estatal de efetivação dos direitos fundamentais de caráter social se expressa como determinante limitação à discricionariedade da Administração. Portanto, não é justificável a invocação da cláusula da reserva do possível pelo Estado para se desobrigar, de forma dolosa, do adimplemento de seus deveres constitucionais, a não ser quando houver motivação justificada.

A decisão alocativa é caracterizadamente um dilema, que se evidencia no conflito dialético entre o dever estatal de concreção e realização da saúde em favor da população e, do outro, as dificuldades enfrentadas pelo governo para que seja possível adimplir com esses deveres em virtude da escassez de recursos.

Mesmo que se reconheça o caráter programático da norma do art. 196 da Constituição, esta não pode ser vista como uma promessa irrelevante. A atuação judicante – de confirmação do direito na jurisprudência – é fundamentada principalmente no desempenho de sua função precípua que é assegurar a prevalência da Lei Maior que, em diversas ocasiões, fora violada por omissões do ente público; daí decorre a necessidade institucional de colmatação dessas omissões institucionais em âmbito jurisdicional. Ademais, reitera-se o princípio da proibição do retrocesso, cujo conteúdo impossibilita o regresso (o desfazimento) de conquistas já realizadas pelo cidadão ou grupo social que integra; desse modo, não há margem para que sejam desfeitas ou diminuídas, a não ser em situações de políticas compensatórias.

Portanto, foi mantida a antecipação de tutela recursal deferida pelo TRF-5, impondo à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza a oferta do medicamento da paciente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário