RELATÓRIO – Acórdão proferido pela Primeira Turma
do TRF-5 teve sua decisão reiterada pelo STF, que indeferiu pedido de suspensão
de tutela antecipada, e então a União interpôs agravo regimental que contraria
o STF. A tutela seria de uma jovem portadora de doença rara, cujos familiares
eram economicamente impossibilitados de sustentar o valor mensal de 52 mil
reais para o tratamento que lhe permitiria melhor qualidade e maior tempo de
vida. O objeto seria um medicamento pretensamente único capaz de proporcionar
esses benefícios.
Segundo a
União, tal remédio não detém registro na ANVISA (portanto, sua comercialização
é proibida – entretanto, foi encontrado registro no site da agência) e também
não integraria o protocolo do Sistema Único de Saúde. Ainda, em virtude do seu
custo elevado, não seria contemplado pela rede pública de farmácias. Em
conjunto com o Município de Fortaleza, alegaram a ineficácia do fármaco em
relação ao tratamento, sem, todavia, demonstrar sua impropriedade.
VOTO – Min. Gilmar Mendes – O alto
valor não pode justificar o seu não fornecimento pela rede pública. Recuperando
noções doutrinárias, as noções de direito fundamental não incluem apenas uma
vedação ao excesso estatal, mas também uma proibição
de proteção insuficiente.
É
importante, porém, que sejam feitas escolhas alocativas, de modo que se joga
luz quanto ao tema da reserva do possível
e escassez dos recursos – para
que os direitos sociais (e quaisquer outros) sejam objeto prestacional, é
preciso que haja o emprego de recursos públicos. O Judiciário é incapaz de uma
análise contextual acerca da prestação do benefício à parte e seu impacto em
virtude da aplicação de recursos públicos, podendo prejudicar o sistema.
Entretanto, pela própria decorrência da substancialização da dignidade humana,
os direitos sociais são tidos como imprescindíveis e aferir o mínimo
existencial de cada um deles deve se submeter à apreciação judicial.
O direito
à saúde não pode ser considerado como meramente programático, pois se trata de
direito individual e coletivo e, se assim o fizesse, a eficácia do texto
constitucional seria negado – subsiste, portanto, um direito subjetivo à
promoção da saúde através de políticas públicas –, que, por sua vez, tem sido
comprometida em virtude de questões relacionadas à implementação e à manutenção
das políticas já vigentes. A situação de interferência do Judiciário não se
pauta na criação, mas na determinação de cumprimento de políticas públicas de
saúde. É sugerido que se apliquem certos parâmetros para a apreciação casuística
sobre: haver ou não política acerca da prestação pleiteada; sendo negativa a
resposta, analisar se houve omissão, decisão ou proibição; se existe motivação
para o não fornecimento pela rede pública, ou outro tratamento já é oferecido
pela rede pública; não havendo alternativa no SUS, se o tratamento objetivado é
eficaz para o requerente e se é de caráter experimental ou é recente, ainda não
tendo sido analisado pelo SUS. Assim, estabelece-se a necessidade de uma
instrução correta para que cada ação seja especificamente examinada de acordo
com suas particularidades inerentes.
A União
alegou haver grave lesão à ordem, à economia e à saúde pública, além de
violação da separação dos poderes e das normas e regulamentos do Sistema Único
de Saúde, ((((ao haver desconsideração do papel inerente desenvolvido pela
Administração Pública de desenvolvimento de políticas públicas)))).
VOTO – Min. Celso de Mello – É
destacado o fato de que a responsabilidade estatal de efetivação dos direitos
fundamentais de caráter social se expressa como determinante limitação à
discricionariedade da Administração. Portanto, não é justificável a invocação
da cláusula da reserva do possível pelo
Estado para se desobrigar, de forma dolosa, do adimplemento de seus deveres
constitucionais, a não ser quando houver motivação justificada.
A decisão
alocativa é caracterizadamente um dilema, que se evidencia no conflito
dialético entre o dever estatal de concreção e realização da saúde em favor da
população e, do outro, as dificuldades enfrentadas pelo governo para que seja
possível adimplir com esses deveres em virtude da escassez de recursos.
Mesmo que
se reconheça o caráter programático da norma do art. 196 da Constituição, esta
não pode ser vista como uma promessa irrelevante. A atuação judicante – de
confirmação do direito na jurisprudência – é fundamentada principalmente no
desempenho de sua função precípua que é assegurar a prevalência da Lei Maior
que, em diversas ocasiões, fora violada por omissões do ente público; daí
decorre a necessidade institucional de colmatação dessas omissões
institucionais em âmbito jurisdicional. Ademais, reitera-se o princípio da proibição do retrocesso,
cujo conteúdo impossibilita o regresso (o desfazimento) de conquistas já
realizadas pelo cidadão ou grupo social que integra; desse modo, não há margem
para que sejam desfeitas ou diminuídas, a não ser em situações de políticas
compensatórias.
Portanto,
foi mantida a antecipação de tutela recursal deferida pelo TRF-5, impondo à
União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza a oferta do medicamento
da paciente.
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