1. Acerca dos três questionamentos, os
dois primeiros são discussões teóricas e práticas, principalmente acerca da
interpretação de normas da Constituição brasileira, e em específico do Título II – Dos direitos e garantias fundamentais.
2. O fundamento de tais direitos para se posicionarem em nível superior
ao direito posto (e também para serem considerados “inabolíveis”).
a.
No
século XVIII, quando são catalogados os direitos humanos, havia um consenso
acerca da discussão, considerando-os como direitos
naturais, decorrentes da própria condição humana, de ser criatura divina. Por
isso, os direitos permanecem conservados quando há a associação política dos
homens em forma de sociedade, e ainda inalienáveis.
b.
Até
o período medieval, o direito natural era tratado objetivamente, o que só se vê
alterado com as Declarações – que tratam dos direitos subjetivos do Homem.
Hobbes traz, em sua obra, essa ideia explicitamente pela primeira vez, com
direitos naturais para os homens mesmo em estado de natureza, que não devem ser
perdidos ao entrarem em sociedade ou ao subjugarem-se à proteção dos mesmos
pelo Estado.
c.
A
proteção desses direitos é intrínseca ao movimento constitucionalista, como se
pode observar na Declaração de 1789, “não
tem Constituição a sociedade onde não estiverem garantidos os direitos, nem
estabelecida a separação dos poderes.”, de modo que nenhuma Carta Magna
pode ser elaborada pelo Constituinte sem o devido respeito a eles, que limitam
a redação da Lei.
d.
Nas
próprias Declarações e Constituições, não há referência aos fundamentos dos
direitos humanos, que passaram a ser incluídos mesmo nas normas constitucionais
(v. Constituição brasileira de 1824 e a francesa de 1848, que insere o direito
ao trabalho), dispensando essa “justificação”.
e.
Mesmo
quando há a tentativa de fundamentar essa categoria, o resultado era o
“imperativo de autolimitação do Poder Estatal”, o que fragilizava ainda o
reconhecimento da supremacia dos direitos humanos.
f.
Bobbio,
por sua vez, afirma haver uma razão objetiva: o consensus omnium gentium. Todavia, muda de opinião posteriormente,
asseverando que não há fundamento absoluto, dada a variabilidade histórica da
classe dos direitos e até mesmo o contraste entre direitos sociais e de
liberdade.
g.
Alguns
documentos internacionais e regionais e Constituições (dentre outras, a
brasileira de 1988) passam a adotar como fundamento dos direitos naturais os
atributos e a dignidade da pessoa humana. No geral, há uma ideia no segundo
pós-guerra de se utilizar dos direitos naturais como fundamento dos direitos
humanos, como fonte de direitos – o que, todavia, é fruto da própria natureza
humana.
3. As características intrínsecas aos direitos fundamentais, que permita
reconhecê-los enquanto tais, de modo a perquirir e identificar direitos
implícitos e também a verificar se os direitos já catalogados como fundamentais
de fato pertencem a essa dimensão.
a.
Os
direitos implícitos foram inicialmente apontados por uma emenda constitucional
americana; todavia, a doutrina não indicou nenhum critério para determinar se é
ou não um direito implícito. A Suprema Corte, considerando a Emenda, salientou
que há direitos não claramente expressos no Bill
of Rights, mas, na maioria das vezes, como consequências de direitos
explicitamente catalogados e neles fundamentados.
i.
Desse
modo, apresentando muitos dos direitos como presentes na concepção de
liberdade, por exemplo, a Corte não pode ser acusada por arbitrariedade do juiz.
Mas, em relação aos nonenumerated rights,
não há parâmetro definido e expresso para a sua identificação.
b.
O
Brasil, desde sua Constituição de 1891, analisa esses direitos como
“resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que
consiga”, e, mais recentemente, também “dos tratados internacionais de que a
República Federativa do Brasil seja parte”.
i.
A
doutrina, entretanto, não sói sistematizar critérios que fundamentariam o
reconhecimento de novos direitos.
ii.
Porém,
é ainda relevante demonstrar que há de existir entre tais direitos e o
princípio da dignidade humana alguma correlação, de modo que não se trata de direito humano fundamental se não se
relacionar com a condição humana em si, sob pena de arbitrariedade.
iii.
O
Supremo Tribunal Federal adota um conceito material dos direitos fundamentais,
partindo indiretamente da acepção de sua natureza intrínseca; ademais, para
essa Corte, o Título II da Constituição não exaure todos os direitos
fundamentais reconhecidos, visto que estes se encontram dispersos por todo o
texto constitucional.
c.
Robert Alexy, em “Direitos fundamentais no
Estado constitucional Democrático” à nesse trabalho, o autor discorre
sobre as essências dos direitos fundamentais, determinando quais são os
requisitos necessários para positivação enquanto direito humano:
i.
Ser
um direito universal, isto é, um
direito de todos os seres humanos, não se constituindo impeditivo para que a
coletividade, enquanto instrumento de realização de direitos humanos, também
detenham direitos dessa categoria.
ii.
Ser
um direito moral, que a norma tenha
validade na dimensão moral.
iii.
Ser
um direito preferencial, ou seja,
que haja sua proteção pelo direito estatal.
iv.
Ser
fundamental, que significa, ao mesmo
tempo atender aos seguintes dados:
1.
Deve
tratar de interesses e necessidade que possam e devam ser assegurados pelo
direito.
2.
O
interesse ou a necessidade a que se refere deve ter fundamentalidade tal que
esta deva ser fundamentada pelo direito, ou ainda quando o seu não atendimento
decorra em morte, grave sofrimento ou fira o cerne da autonomia.
v.
Ser
um direito abstrato, e, por
conseguinte, passível de ser limitado.
d.
O
debate acerca de caracteres que influam na determinação da identidade de
direitos fundamentais é minucioso por parte dos internacionalistas, que já se
expuseram e reconheceram direitos que não se encaixam na categoria dos direitos
de liberdade ou sociais – como direito à paz, ao patrimônio comum da
humanidade, ao desenvolvimento, além de outros que emergem em diversas
discussões.
i.
Philip
Alston expressa o que, em sua opinião, se caracterizam como elementos de um
direito fundamental:
1.
Carregam
relevante valor social.
2.
A
relevância é de caráter geral, apesar das variabilidades ao redor do mundo.
3.
Sejam
baseados na Carta da ONU, regras jurídicas consuetudinárias ou princípios
gerais de direito.
4.
Haja
consistência do mesmo em relação ao sistema de direito internacional.
5.
Seja
possível atingir elevado nível de consenso.
6.
Não
desrespeite as práticas adotadas pelos Estados.
7.
Exista
precisão suficiente para gerar direitos e obrigações identificáveis.
ii.
A
determinação material de um direito fundamental produz consequências.
1.
Diferenciação
entre direitos material e formalmente
fundamentais (como direito à vida) e apenas
formalmente fundamentais (como direito a certidões), qual seja, distinguir
os direitos já declarados, fundamentais por essência, de outros que adquirem
fundamentalidade por força decisória de um constituinte.
2.
Relevância
de tratados sobre direitos humanos ou ao direito internacional, posto que ou o
direito é fundamental por natureza e independe desses tratados, ou não o é, e
deve se submeter ao tratamento de direito comum – que, todavia, pode receber o status de constitucional-formal, mas
depende de Emenda.
4. A universalidade dos direitos fundamentais.
a.
Na
atualidade, predomina o entendimento da cultura cristã, da civilização
ocidental; todavia, a despeito desta, compreensões de outras civilizações podem
ser consideradas, o que, doutro modo, geraria um sentimento de pretensa
supremacia ocidental.
i.
Para
cada cultura, há prova cientifica de que o entendimento acerca da pessoa humana
e de sua dignidade é distinto, ao menos parcialmente.
b.
O
ponto mais delicado hodierno refere-se à cultura islâmica, que, embora apregoe
o reconhecimento da dignidade humana e dos direitos humanos, contrapõe-se à
doutrina dos direitos fundamentais ao não reconhecer:
i.
O
princípio da igualdade entre crentes e descrentes e entre homens e mulheres.
ii.
A
liberdade de culto – ou é muçulmano ou, em caso de abandono, morte.
iii.
Restringe
a liberdade de contração de matrimônio 1) do homem, apenas com pessoas de
religiões que tenham livro abertamente reconhecido, como o cristianismo e 2) da
mulher, somente com muçulmanos.
iv.
Reconhece
direitos políticos tão somente aos muçulmanos.
v.
É
intransigente quanto ao princípio da igualdade de acesso a cargos públicos,
exigindo que seja fiel ao Islã.
vi.
Adota
sanções penais que, na perspectiva ocidental, são cruéis, desproporcionais,
intoleráveis.
vii.
Tolera
a escravidão.
viii.
Permite
a poligamia.
c.
Há
um grande distanciamento entre a cultura islâmica e a Declaração Universal, de
modo que não há compatibilização entre ambos.
5. Conclusões:
a.
Não
há fundamentação sólida acerca da existência dos direitos humanos como
superiores ao direito posto, ainda que constitucional, descabendo a teoria
acerca do humani generis, de Bobbio,
em virtude dos fatos.
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