domingo, 26 de abril de 2020

Alguns questionamentos em face da doutrina dos direitos fundamentais – MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO


1.      Acerca dos três questionamentos, os dois primeiros são discussões teóricas e práticas, principalmente acerca da interpretação de normas da Constituição brasileira, e em específico do Título II – Dos direitos e garantias fundamentais.
2.      O fundamento de tais direitos para se posicionarem em nível superior ao direito posto (e também para serem considerados “inabolíveis”).
a.       No século XVIII, quando são catalogados os direitos humanos, havia um consenso acerca da discussão, considerando-os como direitos naturais, decorrentes da própria condição humana, de ser criatura divina. Por isso, os direitos permanecem conservados quando há a associação política dos homens em forma de sociedade, e ainda inalienáveis.
b.      Até o período medieval, o direito natural era tratado objetivamente, o que só se vê alterado com as Declarações – que tratam dos direitos subjetivos do Homem. Hobbes traz, em sua obra, essa ideia explicitamente pela primeira vez, com direitos naturais para os homens mesmo em estado de natureza, que não devem ser perdidos ao entrarem em sociedade ou ao subjugarem-se à proteção dos mesmos pelo Estado.
c.       A proteção desses direitos é intrínseca ao movimento constitucionalista, como se pode observar na Declaração de 1789, “não tem Constituição a sociedade onde não estiverem garantidos os direitos, nem estabelecida a separação dos poderes.”, de modo que nenhuma Carta Magna pode ser elaborada pelo Constituinte sem o devido respeito a eles, que limitam a redação da Lei.
d.      Nas próprias Declarações e Constituições, não há referência aos fundamentos dos direitos humanos, que passaram a ser incluídos mesmo nas normas constitucionais (v. Constituição brasileira de 1824 e a francesa de 1848, que insere o direito ao trabalho), dispensando essa “justificação”.
e.       Mesmo quando há a tentativa de fundamentar essa categoria, o resultado era o “imperativo de autolimitação do Poder Estatal”, o que fragilizava ainda o reconhecimento da supremacia dos direitos humanos.
f.       Bobbio, por sua vez, afirma haver uma razão objetiva: o consensus omnium gentium. Todavia, muda de opinião posteriormente, asseverando que não há fundamento absoluto, dada a variabilidade histórica da classe dos direitos e até mesmo o contraste entre direitos sociais e de liberdade.
g.       Alguns documentos internacionais e regionais e Constituições (dentre outras, a brasileira de 1988) passam a adotar como fundamento dos direitos naturais os atributos e a dignidade da pessoa humana. No geral, há uma ideia no segundo pós-guerra de se utilizar dos direitos naturais como fundamento dos direitos humanos, como fonte de direitos – o que, todavia, é fruto da própria natureza humana.
3.      As características intrínsecas aos direitos fundamentais, que permita reconhecê-los enquanto tais, de modo a perquirir e identificar direitos implícitos e também a verificar se os direitos já catalogados como fundamentais de fato pertencem a essa dimensão.
a.       Os direitos implícitos foram inicialmente apontados por uma emenda constitucional americana; todavia, a doutrina não indicou nenhum critério para determinar se é ou não um direito implícito. A Suprema Corte, considerando a Emenda, salientou que há direitos não claramente expressos no Bill of Rights, mas, na maioria das vezes, como consequências de direitos explicitamente catalogados e neles fundamentados.
                                                              i.      Desse modo, apresentando muitos dos direitos como presentes na concepção de liberdade, por exemplo, a Corte não pode ser acusada por arbitrariedade do juiz. Mas, em relação aos nonenumerated rights, não há parâmetro definido e expresso para a sua identificação.
b.      O Brasil, desde sua Constituição de 1891, analisa esses direitos como “resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consiga”, e, mais recentemente, também “dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte”.
                                                              i.      A doutrina, entretanto, não sói sistematizar critérios que fundamentariam o reconhecimento de novos direitos.
                                                            ii.      Porém, é ainda relevante demonstrar que há de existir entre tais direitos e o princípio da dignidade humana alguma correlação, de modo que não se trata de direito humano fundamental se não se relacionar com a condição humana em si, sob pena de arbitrariedade.
                                                          iii.      O Supremo Tribunal Federal adota um conceito material dos direitos fundamentais, partindo indiretamente da acepção de sua natureza intrínseca; ademais, para essa Corte, o Título II da Constituição não exaure todos os direitos fundamentais reconhecidos, visto que estes se encontram dispersos por todo o texto constitucional.
c.       Robert Alexy, em “Direitos fundamentais no Estado constitucional Democrático” à nesse trabalho, o autor discorre sobre as essências dos direitos fundamentais, determinando quais são os requisitos necessários para positivação enquanto direito humano:
                                                              i.      Ser um direito universal, isto é, um direito de todos os seres humanos, não se constituindo impeditivo para que a coletividade, enquanto instrumento de realização de direitos humanos, também detenham direitos dessa categoria.
                                                            ii.      Ser um direito moral, que a norma tenha validade na dimensão moral.
                                                          iii.      Ser um direito preferencial, ou seja, que haja sua proteção pelo direito estatal.
                                                          iv.      Ser fundamental, que significa, ao mesmo tempo atender aos seguintes dados:
1.      Deve tratar de interesses e necessidade que possam e devam ser assegurados pelo direito.
2.      O interesse ou a necessidade a que se refere deve ter fundamentalidade tal que esta deva ser fundamentada pelo direito, ou ainda quando o seu não atendimento decorra em morte, grave sofrimento ou fira o cerne da autonomia.
                                                            v.      Ser um direito abstrato, e, por conseguinte, passível de ser limitado.
d.      O debate acerca de caracteres que influam na determinação da identidade de direitos fundamentais é minucioso por parte dos internacionalistas, que já se expuseram e reconheceram direitos que não se encaixam na categoria dos direitos de liberdade ou sociais – como direito à paz, ao patrimônio comum da humanidade, ao desenvolvimento, além de outros que emergem em diversas discussões.
                                                              i.      Philip Alston expressa o que, em sua opinião, se caracterizam como elementos de um direito fundamental:
1.      Carregam relevante valor social.
2.      A relevância é de caráter geral, apesar das variabilidades ao redor do mundo.
3.      Sejam baseados na Carta da ONU, regras jurídicas consuetudinárias ou princípios gerais de direito.
4.      Haja consistência do mesmo em relação ao sistema de direito internacional.
5.      Seja possível atingir elevado nível de consenso.
6.      Não desrespeite as práticas adotadas pelos Estados.
7.      Exista precisão suficiente para gerar direitos e obrigações identificáveis.
                                                            ii.      A determinação material de um direito fundamental produz consequências.
1.      Diferenciação entre direitos material e formalmente fundamentais (como direito à vida) e apenas formalmente fundamentais (como direito a certidões), qual seja, distinguir os direitos já declarados, fundamentais por essência, de outros que adquirem fundamentalidade por força decisória de um constituinte.
2.      Relevância de tratados sobre direitos humanos ou ao direito internacional, posto que ou o direito é fundamental por natureza e independe desses tratados, ou não o é, e deve se submeter ao tratamento de direito comum – que, todavia, pode receber o status de constitucional-formal, mas depende de Emenda.
4.      A universalidade dos direitos fundamentais.
a.       Na atualidade, predomina o entendimento da cultura cristã, da civilização ocidental; todavia, a despeito desta, compreensões de outras civilizações podem ser consideradas, o que, doutro modo, geraria um sentimento de pretensa supremacia ocidental.
                                                              i.      Para cada cultura, há prova cientifica de que o entendimento acerca da pessoa humana e de sua dignidade é distinto, ao menos parcialmente.
b.      O ponto mais delicado hodierno refere-se à cultura islâmica, que, embora apregoe o reconhecimento da dignidade humana e dos direitos humanos, contrapõe-se à doutrina dos direitos fundamentais ao não reconhecer:
                                                              i.      O princípio da igualdade entre crentes e descrentes e entre homens e mulheres.
                                                            ii.      A liberdade de culto – ou é muçulmano ou, em caso de abandono, morte.
                                                          iii.      Restringe a liberdade de contração de matrimônio 1) do homem, apenas com pessoas de religiões que tenham livro abertamente reconhecido, como o cristianismo e 2) da mulher, somente com muçulmanos.
                                                          iv.      Reconhece direitos políticos tão somente aos muçulmanos.
                                                            v.      É intransigente quanto ao princípio da igualdade de acesso a cargos públicos, exigindo que seja fiel ao Islã.
                                                          vi.      Adota sanções penais que, na perspectiva ocidental, são cruéis, desproporcionais, intoleráveis.
                                                        vii.      Tolera a escravidão.
                                                      viii.      Permite a poligamia.
c.       Há um grande distanciamento entre a cultura islâmica e a Declaração Universal, de modo que não há compatibilização entre ambos.
5.       Conclusões:
a.       Não há fundamentação sólida acerca da existência dos direitos humanos como superiores ao direito posto, ainda que constitucional, descabendo a teoria acerca do humani generis, de Bobbio, em virtude dos fatos.

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