SÍNTESE DA DEMANDA:
a. Habeas corpus, com
pedido de concessão de medida cautelar, ante acórdão da 6ª Turma do STJ, que
não conheceu o HC 290.341/RJ. Pacientes presos em flagrante por aborto e
formação de quadrilha, com concurso material por 4 vezes, pois abortaram a
gestação da denunciada com o consentimento da mesma.
b. Foi
concedida liberdade provisória em 2013. Em 2014, foi provido recurso do MPE-RJ
para decretar prisão preventiva, com base na segurança da ordem pública e
necessidade de garantir a aplicação da lei; neste acórdão, a prisão não foi
considerada ilegal.
c. No HC
atual, afirmam os impetrantes que não estão satisfeitos os critérios
necessários da prisão preventiva, art. 312/CPP. Aduzem que:
i.
Réus são primários, têm bons antecedentes,
trabalho e residência;
ii.
Há desproporcionalidade na custódia cautelar,
uma vez que em caso de condenação o cumprimento se iniciará em regime aberto;
iii.
No flagrante, não se observou tentativa de
fuga.
d. Assim,
impetrantes querem a revogação da prisão preventiva, expedindo-se alvará de
soltura.
e. Em 2014 e
2015, foram deferidas as medidas cautelares aos corréus.
f.
A Procuradoria-Geral da República optou por
não conhecer o pedido e denegou a ordem no mérito, retirando a liminar dos
acusados.
g. Ministro
Marco Aurélio admitiu habeas corpus e deferiu ordem para afastar prisão
preventiva, tal como na liminar deferida. Barroso optou por vista antecipada.
2. VOTO:
a. Habeas corpus não é
adequado ao caso: o processo deveria ser extinto, sem resolução do mérito, em
virtude da inadequação da via processual.
à cabe a concessão da ordem de ofício para desfazimento de prisão
preventivas, baseando em:
i.
Não há os requisitos que permitem a prisão
cautelar, como risco para ordem pública, econômica, instrução criminal ou
aplicação da lei penal, posto que os acusados são réus primários e de bons
antecedentes, com trabalho e residência, participam dos atos de instrução e
iniciarão o cumprimento em regime aberto à portanto,
“a liberdade dos acusados [...] não oferece risco ao processo” à a decretação da prisão cautelar
sem demonstração dos requisitos necessários é ilegal.
ii.
É necessária análise acerca da
inconstitucionalidade da incidência do aborto na interrupção voluntária da
gestação nos primeiros três meses, sob pena de violação dos direitos
fundamentais da mulher, como o princípio da proporcionalidade.
1. A
criminalização é legítima quando há proteção
de bem jurídico relevante, não se
trate de conduta que exerce direito fundamental e haja proporcionalidade entre comportamento e sanção.
2.
A tipificação em questão está ensejada nos
arts. 124 a 126/CP, punindo abortos causados por gestante ou por terceiros com
o consentimento daquela. O bem jurídico (vida
do feto) é relevante, porém a
criminalização do fato em questão viola
direitos fundamentais da mulher e não atende ao princípio da proporcionalidade.
b.
Os direitos fundamentais (= direitos
humanos incorporados) são frutos do embate entre indivíduo e poder político,
econômico e religioso.
i.
Essa categoria vincula a todos os Poderes
estatais, de modo que se torna uma abertura do sistema jurídico ao sistema
moral e uma reserva mínima de justiça comum a todos à significam limites e deveres do
Estado e da sociedade.
ii.
Decorrem da dignidade humana (valor intrínseco
e autonomia) à pessoas
são fins em si, e não meio para alcance de interesses alheios ou coletivos.
iii.
São oponíveis às maiores políticas à limite ao legislador e ao poder
constituinte reformador.
iv.
Aplicabilidade direta e imediata.
v.
São restringíveis e confrontáveis entre si; a
resposta aos casos concretos é obtida através do sopesamento, aplicando-se
princípios de razoabilidade ou proporcionalidade.
c.
A criminalização do caso ofende aos
direitos fundamentais a seguir:
i.
Direitos
sexuais e reprodutivos da mulher, pois não deve a mulher manter
gravidez indesejada, isto é, não há que se intervir na decisão acerca de quando
e se deseja procriar;
ii.
Autonomia
da mulher.
1. Viola este
cerne da liberdade individual, protegida pelo princípio da dignidade humana.
2. A mulher
deve ter o direito de fazer escolhas existenciais e decisões morais acerca da
própria vida.
3. Deve ser
permitido a todo indivíduo um âmbito privado de exercício de seus próprios
valores, interesses e desejos, que não pode ser objeto de intervenção estatal.
4. É núcleo
da autonomia feminina a decisão acerca do corpo e questões a ele concernentes –
o útero não está “a serviço da sociedade”, mas de um indivíduo, com plena
capacidade.
iii.
Integridade
física e psíquica, uma vez que é a gestante quem sofre, no
corpo (mudanças, riscos e sequelas) e na psique (obrigação vitalícia, renúncia,
dedicação e comprometimento), as consequências de uma gravidez – tormento caso
indesejada.
iv.
Igualdade
da mulher, já que homens não engravidam e a verdadeira igualdade do gênero
deve respeitar a vontade feminina acerca desse trato.
d. A
criminalização veda a possibilidade das mulheres pobres de recorrerem ao
sistema público de saúde para alcançar os procedimentos necessários, resultando
em automutilações, lesões graves e mortes.
e. A
tipificação viola a proporcionalidade:
i.
Não atinge os efeitos necessários ao não
impactar no número de abortos nacionais.
ii.
Há outras formas estatais melhores para
impedir a prática do aborto, como educação sexual, distribuição de
contraceptivos e apoio às mulheres que desejam ter seus filhos, mas estão em
circunstâncias adversas.
iii.
Há desproporcionalidade, observado que os
custos sociais decorrentes (saúde pública e morte) são superiores aos
benefícios.
f.
Países desenvolvidos e democráticos não
criminalizam a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre.
g. Defere-se
a ordem de ofício para afastar prisão preventiva.
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