domingo, 26 de abril de 2020

ADI 1715-3/DF




1.       EMENTA.
a.       Contrato de depósito bancário.
                                                              i.      Proprietário: banco.
                                                            ii.      Titular do crédito: depositante (= credor do depositário).
                                                          iii.      Depósito à créditos à se abandonados: são destináveis a fins sociais (por norma infraconstitucional).
b.      Atividade bancária é disciplinada por normas públicas, inclusive para recadastramento.
c.       Constituição regula herança (= direito privado).
                                                              i.      Prescrição e decadência têm seus prazos determinados por lei infraconstitucional; assim, Lei 9526/97 não é inconstitucional ao facultar o prazo de seis meses após esfera administrativa para procurar o Judiciário.
d.      Norma com novos prazos prescricionais não ofende princípio de ato jurídico perfeito, e, portanto, é aplicável a relações jurídicas em curso.
e.      A Lei supracitada não contraria devido processo legal (há publicação no DOU).
f.        Indeferimento da medida cautelar.
2.       ACÓRDÃO.
a.       Unânime conhecimento da ação.
b.      Pelos votos da maioria, indeferimento da medida cautelar.
3.       RELATÓRIO.
a.       PDT propõe ADI (pedindo medida liminar) sobre a Medida Provisória nº 1597, pela violação ao artigo 5º da Constituição em seu:
                                                              i.      Caput, bem como seu inciso XXII, tratando do direito de propriedade e seu exercício, pelo disposto no art. 2º da MP.
                                                            ii.      Inciso II (princípio da legalidade), visto que o art. 1º da MP se baseia em duas Resoluções do CNM (Conselho Monetário Nacional); por estas serem normas infralegais, e não leis, não seriam instrumentos corretos para imposição de obrigações aos cidadãos – “nula será qualquer sanção”.
                                                          iii.      Inciso XXX (direito de herança), pois a MP não considera que pessoas já falecidas eram titulares de contas não recadastradas, o que privaria os herdeiros de sua herança.
                                                           iv.      Inciso XXXV (apreciação do Judiciário), no art. 3º  da Medida Provisória, que estabelece prazo para requerimento de exame judicial quanto ao direito aos depósitos. Mesmo reconhecendo a possibilidade de estabelecimento de prazo prescricional por norma infraconstitucional, o prazo reduzido “denota o animus de excluir a apreciação judicial”.
                                                             v.      Inciso XXXVI (ato jurídico perfeito) pelo art. 1º, SS 2º do objeto da impugnação, conforme o qual os saldos não reclamados seriam recolhidos ao Banco Central, extinguindo os contratos de depósitos quando do recolhimento, desfazendo atos jurídicos perfeitos que são da esfera privada.
                                                           vi.      Inciso LIV (devido processo legal), ao realizar a expropriação dos bens sem atentar-se ao due process of law.
b.      É pedida a medida cautelar, pressupondo que os requisitos para sua concessão já foram preenchidos:
                                                              i.      Fumus boni iuris, pela demonstração de inconstitucionalidade, na violação de princípios constitucionais.
                                                            ii.      Periculum in mora, dado que o pedido é realizado a pouco tempo antes da MP entrar em vigor.
c.       São refutadas, pela PGFN e pelo ADU, as teses anteriormente apresentadas, decorrendo na improcedência do pedido do Requerente:
                                                              i.      Inexistência da lesão ao direito de propriedade.
1.       Contratos de depósitos = depósito voluntário e mútuo (arts. 1270, 1256 e 1257/CC).
2.       Coisa depositada: proprietário: banco; depositário: ação de credor pelo direito de crédito. Portanto, não há direito de propriedade.
                                                            ii.      Inexistência de violação ao princípio da legalidade.
1.       O recadastramento imposto pelas Resoluções do CMN é uma obrigação aos bancos, e não aos titulares.
2.       Os correntistas poderiam proceder com saque total do depósito; a instituição financeira não poderia manter a conta de depósito aberta sem atender às Resoluções.
3.       Contas sem movimentações por muito tempo à res nullius à redisciplina da matéria, com transferência para a União.
                                                          iii.      Inexistência de violação ao direito de herança.
1.       Os créditos resultantes dos depósitos são transmitidos aos herdeiros, que passarão a ostentar a condição de titular de conta de depósitos não recadastrada.
                                                           iv.      Nada foi excluído da apreciação do Judiciário.
1.       O prazo de seis meses se inicia com a decisão indeferitória definitiva, se impugnado o recolhimento ou se houvesse recurso ao CNM, havendo ainda o acesso ao Judiciário para aquele que não encontrasse solução administrativa.
                                                             v.      Não há lesão a ato jurídico perfeito.
1.       Constituição não proíbe que legislador infraconstitucional possa alterar ou determinar prazo para o fim do contrato bancário. Portanto, não há lesão a atos jurídicos perfeitos [...].
                                                           vi.      Não há ofensa ao Due Process of Law.
1.       Não há desapropriação de bens de ninguém, mas incorporação do crédito ao patrimônio da União (como ocorre com bem vago).
d.      O Congresso Nacional aduz que:
                                                              i.      Os princípios constitucionais supostamente violados devem ser observados numa interpretação sistemática que envolva a compreensão acerca de patrimônio, competência, liberdade e vida.
                                                            ii.      A Lei nº 9526/97 (resultante da conversão da MP em lei) intenta não permitir a movimentação ilícita de patrimônios, posto que estariam em contas irregularmente mantidas.
                                                          iii.      Lei anterior não previa a solução no caso de irregularidade de contas.
                                                           iv.      Titularidade duvidosa e origem não justificada afrontam a função social da propriedade, abrindo margem à atuação estatal.
                                                             v.      Os depósitos eram feitos em serviço público, não propriedade privada, de modo que cabe ao Estado o poder de polícia para impedir prática de ilícitos.
                                                           vi.      Não se atenta contra o princípio do ato jurídico perfeito com a Lei, dado que determinou prazo de prescrição para a extinção dos contratos bancários.

4.       Voto: MAURÍCIO CORRÊA.
a.       As Resoluções se destinam aos bancos, e não aos titulares/depositantes.
b.      A MP surge como uma necessidade de superar a não atualização de diversas contas (“fantasmas”), para então serem eliminadas e encaminhar os recursos decorrentes delas para projetos de cunho social.
c.       Não se trata de inovação jurídica, uma vez que a Lei nº 2.313/54 trata de matéria semelhante, ao dispor sobre prazo de extinção de contratos de depósito regular e voluntário.
d.      ... 9 ao 12. (p. 16 e 17).
e.      PONTES/CAIO MÁRIO/SÉRGIO CARLOS COVELLO: Depósito é propriedade do banco; nasce dever de devolução de coisa da mesma espécie.
f.        Não é depósito comum, mas irregular (devolve-se coisa fungível, art. 1280/CC). Depositário e depositante tem uma relação de direito pessoal, não de direito real (como prevê a Constituição) à não há cautelar quanto a esse ponto, pois não há propriedade.
g.       Não há lesão à legalidade, posto que a Lei visa redisciplinar matéria já tratada e as atividades bancárias se submetem às normas do Poder Público, na forma das Resoluções do CMN.
h.      A vacância da herança ainda permite aos herdeiros se habilitarem legalmente para recebê-la, conforme disciplinado pelo art. 1591/CC. Portanto, não é inconstitucional por não violar o art. 5º, XXX/CF.
i.        Não há inconstitucionalidade quanto à ausência de apreciação do Judiciário: o prazo de 6 meses é o da decisão definitiva do setor administrativo, facultando, posteriormente, o ajuizar do processo. Ademais, prazos prescricionais também existem no Código Civil, visto que o constituinte deixou ao alvedrio do legislador ordinário o seu tratamento.
j.        Não há lesão ao ato jurídico perfeito, visto que há, cf. doutrina e jurisprudência, a aplicação de novos prazos prescricionais às relações em curso; as contas não recadastradas infringem as disposições normativas correspondentes e não há norma constitucional que proíba a determinação ou modificação quanto aos prazos de prescrição e decadência.
k.       O devido processo legal foi respeitado, como se observa a partir da: publicação no DOU acerca da conta e do depositário, processo administrativo e recurso ao Judiciário.

5.       Voto: ILMAR GALVÃO.
a.       Acredita que há direito de propriedade (considerando o crédito como bem móvel, e propriedade, no sentido amplo, abrangeria todos os ativos, de móveis a imóveis).
b.      Todavia, não crê que fira o referido direito, posto que são diversas as oportunidades de reclamá-lo: prazos, edital e prazo de decadência.
c.       Não fere a legalidade, porque tudo fora estabelecido por lei.
d.      Feriu o direito de herança, absolutamente, pois os herdeiros poderiam ter se habilitado para identificar as contas.
e.      Não impede a apreciação¸ pois não há nenhum impeditivo legal para quem desejar recorrer.
f.        Indefere a medida liminar.
6.       Voto: MARCO AURÉLIO.
a.       A edição de MPs é excepcionalíssima à dois critérios essenciais para que sejam legítimas (relevância e urgência).
b.      A importância do critério de urgência é ressaltada com o fato de que a convocação do Congresso prevista no art. 62/CF só é também encontrada no caso de estado de defesa.
c.       Veículo de matéria imprópria à vício na origem, não consubstancia com a conversão de MP em lei à entende que há vício de forma.
d.      Entende que lei superveniente não pode intervir em ato jurídico perfeito que se prolonga temporalmente.
e.      Perda de bem sem devido processo legal – não houve viabilização do processo; cadastro de contas dos bancos + publicação da relação com desconsideração do sigilo de dados no DOU + prazo de 30 dias a partir da publicação para contestar o recolhimento (ameaça de perda de bem depositado diante de um ato jurídico perfeito e acabado) + prescrição em 6 meses da ação (imprescindível para apreciação do Judiciário).
f.        Meio justifica o fim, e não o fim ao meio.
g.       Defere a liminar, com suspensão da eficácia da Lei proveniente da MP.

7.       Voto: SEPÚLVEDA PERTENCE.
a.       Em suma, suscita a questão de a matéria ser tratada em MP, mas não vê, no caso, a necessidade do controle de constitucionalidade com base nos critérios de relevância e urgência.
b.      Sobre o mérito, acredita que propriedade, protegida constitucionalmente, é sinônima de patrimônio, e, portanto, incluiria o crédito nessa proteção constitucional, dado que compreenderia todos os direitos de um patrimonial, com base nos incisos XXII e XXIV da Declaração de Direitos.
c.       Direito de crédito é um bem e merece a garantia do devido processo legal.
d.      União legisla ordinariamente sobre perda de propriedade à direito de crédito é protegido constitucionalmente como propriedade; mas é legítima a perda da propriedade em nome de sua função social, com base em previsão constitucional.
e.      Questiona-se o problema do ato jurídico perfeito.
f.        Não acredita-se que há periculum in mora na transferência questionada; a declaração de legitimidade superveniente seria responsabilidade do Banco Central.
g.       Indefere liminar.
8.       EXPLICAÇÃO.
a.       Maurício Corrêa entende que Sepúlveda Pertence não discorda dele totalmente; sua posição é de que depósito bancário não é propriedade, de acordo com a Constituição e que ambos concordam quanto às réplicas em relação à violação dos demais incisos.

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