domingo, 26 de abril de 2020

A eficácia dos direitos fundamentais – INGO WOLFANG SARLET


A problemática conceitual e da definição da seara terminológica: a busca de um consenso

1.      Adoção de um lado na seara terminológica.
1.1.   Justificação e diferenciação de outros termos adotados no direito, como direitos humanos, direitos do homem, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, direitos individuais, liberdades fundamentais e direitos humanos fundamentais, dentre outras teses.
1.2.   A falta de consenso e a ambiguidade e heterogeneidade conceitual e terminológica é apontada pela doutrina, tanto em relação à substância quanto a forma das terminações à busca por unificação de parâmetros para definição do conceito.
1.3.   A Constituição de 1988 também adota distintas formas semânticas para tratar de direitos fundamentais, como direitos humanos (art. 4º, II), direitos e garantias fundamentais (Título II e art. 5º, SS 1º), direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, LXXI) e direitos e garantias individuais (art. 60, SS 4º, IV).
2.      Análise dogmático-jurídica dos direitos fundamentais com base direito constitucional positivo.
2.1.   A consonância entre direitos fundamentais e a inovação terminológica “direitos e garantias fundamentais” – que abarca, genericamente, as distintas categorias de direitos fundamentais, qual sejam direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos e regramento dos partidos políticos.
2.1.1.     Essas mesmas espécies englobam variados papéis exercidos pelos direitos fundamentais, como direitos de defesa e de cunho prestacional, direitos-garantias e garantias institucionais.
2.1.2.     A inspiração constitucional brasileira para aplicação do termo “direitos fundamentais” se deu na Lei Fundamental da Alemanha e a Constituição Portuguesa de 1976 – momento de alteração em nossa tradição constitucional.
2.2.   Hodiernamente, a doutrina optou pela não aplicação e desconsideração de determinadas expressões – como liberdades públicas, liberdades fundamentais, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, direitos naturais, direitos civis e semelhantes – por considerá-las anacrônicas e em desarmonia com a condição atual da evolução dos direitos fundamentais no Estado de Direito, além de não apresentarem-se mais como suficientes para contemplar ao gênero “direitos fundamentais”, visto que são integrantes de categorias dele.
3.      O objetivo é determinar um termo genérico e constitucionalmente adequado que abarque os distintos tipos de direitos.
4.      Elucidação acerca da confusão gerada pela aplicação indevida e indistinta de direitos fundamentais e direitos humanos, como se ambos designassem o mesmo:
4.1.   Direitos fundamentais são direitos humanos, posto que seus titulares serão sempre humanos, embora a representação possa se dar por uma coletividade (como Estado, povo, nação). Ainda mais, essa denominação aplica-se aos direitos reconhecidos, postos e protegidos constitucionalmente em cada Estado.
4.2.   Direitos humanos estariam correlacionados documentos de direito internacional (como declarações), em que o reconhecimento jurídico da natureza humana e de seus direitos se dá independente de qualquer vínculo com um Estado, isto é, de pretensão de abrangência universal, temporal e territorialmente, de evidente aspecto supranacional.
4.2.1.      Direitos humanos não são direitos naturais ao terem se desvencilhado da noção de direito natural em sua dimensão histórica e relativa. Entretanto, tanto direitos naturais (caracteristicamente internacionais) quanto fundamentais (de aspecto constitucional) têm base no reconhecimento de direitos naturais do homem (isto é, anteriores ao Estado e até supra-estatal).
4.2.1.1.            Direitos do homem são direitos naturais [ainda] não positivados, a todos os humanos, sem consideração sobre gênero.
4.2.2.      Para Bruno Galindo, não há distinção entre direitos do homem e direitos humanos (ou simplesmente direitos do homem) são inatos à condição humana, independentes de positivação ou não, diferenciando-se dos fundamentais, que são positivados em tratados internacionais ou constitucionalmente – ainda que com eficácia ou proteção diferente.
4.2.2.1.           Refuta-se a esse argumentando com a retomada da diferenciação entre positivação internacional e constitucional.
4.2.2.2.           Ademais, Galindo reconhece a distinção acerca da eficácia e da efetiva proteção dos direitos, critério este que tem embasado a defesa da tese de separação entre direitos humanos e direitos fundamentais de acordo com a forma com que se dá a respectiva positivação.
4.3.   Para Pérez Luño, a concretização positiva é o melhor critério para determinar a diferença: direitos humanos são mais abrangentes e imprecisos que direitos fundamentais, de modo que os últimos tem definição mais precisa e limitada – dado que se expressam enquanto conjunto de direitos e liberdades reconhecidos e assegurados pelo direito de um Estado, isto é, há uma determinação espacial e temporal; a nomenclatura, portanto, evidencia o aspecto de fundamentação do sistema jurídico do Estado de Direito.
4.4.   Segundo Pedro C. Villalon, direitos fundamentais surgem e extinguem-se com as Constituições, sendo frutos da concepção jusnaturalista de direitos naturais e do movimento constitucionalista. Conforme Höffe, direitos humanos anteriormente eram apenas parte de uma moral jurídica universal, antes de integrar as Constituições, ao passo que os fundamentais remetem-se aos indivíduos enquanto cidadãos de um Estado concreto. Por sua vez, Habermas assevera que direitos fundamentais, expressos como partes integrantes da matriz constitucional, não são apenas direitos morais.
4.5.   Por conclusão, é possível observar que direitos fundamentais e direitos humanos têm significação diferente, embora sejam tratados com sinonímia.  Todavia, evidenciar a distinção não equivale a negar a correlação entre direitos humanos e fundamentais.
4.5.1.      As Constituições pós-Segunda Guerra Mundial foram influenciadas tanto pela Declaração Universal de 1948, quanto por documentos do plano regional e internacional, de modo que a confluência e aproximação trazem, na atualidade, uma inclinação para a formação de um direito constitucional internacional.
5.      No que concerne à melhor terminologia, Sérgio Rezende de Barros indica a designação “direitos humanos fundamentais”, que reitera a unidade indissociável e substancial entre direitos humanos e fundamentais. Sarlet, sobre o termo, afirma que, embora não seja capaz de extinguir a diferenciação entre ambos, reitera-se, com a sua utilização, que se trata de condições essenciais a todos os humanos, evidenciando a fundamentalidade material de direitos humanos e fundamentais.
6.      Não há uma correlação precisa – sobre direitos humanos e fundamentais – nos respectivos Estados e direito internacional, ou entre as próprias Cartas Magnas, de modo que se observa que:
6.1.   Certas Constituições não listam sempre, como direitos fundamentais, todos aqueles direitos declarados em âmbito internacional;
6.2.   Outras, em contraposição, extrapolam o rol de tratados internacionais, como é o caso brasileiro.
7.      Quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, os primeiros têm maior nível de efetivação, visto que o Judiciário possui competência para fazer cumprir as garantias constitucionais.
7.1.   A eficácia jurídica e social de direitos humanos não integrantes dos direitos fundamentais na ordem constitucional interna de cada um dos Estados é dependente das normas que disciplinam a sua recepção no sistema – negando-lhes a fundamentalidade formal, intrínseca aos direitos fundamentais.
8.      Em suma, os termos não são excludentes um do outro ou conflitantes entre si, mas são categorias correlacionadas e de íntima relação, embora as esferas de positivação sejam diferenciadas – e de cujos efeitos não podemos negligenciar.

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