O ensaio a seguir refere-se
ao oitavo capítulo da obra “O direito da
sociedade”, de NIKLAS LUHMANN, intitulado como “Argumentação jurídica”, prosseguindo a demonstração do autor na
inserção do direito como sistema integrante do sistema sociedade, ou subsistema
deste, e do desenvolvimento e funcionamento dos mecanismos, das operações
específicas do sistema jurídico, e que possibilitam a continuidade da comunicação
referente a ele, definindo os seus próprios limites quanto ao ambiente e
reiterando as distinções com base no código legal/ilegal. Nesse capítulo,
propõe-se a elucidar a função da argumentação.
Para LUHMANN, a argumentação
jurídica exerce papel fundamental no sistema jurídico, uma vez que é, a partir
dela, que se exerce o controle sobre a consistência do direito, limitando o
“escopo de decisões” a serem feitas – se trata de uma construção interna do
sistema –; todavia, não é apenas interpretação dos textos jurídicos, uma vez
que depende de uma comunicação social. É imperioso dizer que, tanto a
interpretação quanto a argumentação, não alteram o símbolo de validade do
direito, ou seja, não modificam o ordenamento jurídico vigente, pois possuem
caráter preparativo, de elucidação sobre a aplicação do código, sem, todavia,
fixá-lo, demonstrando sob quais circunstâncias deve haver a prática do símbolo.
Entretanto, cabe ressaltar que há interdependência entre validade e a
argumentação, uma vez que estão no mesmo sistema e se unem através de
acoplamentos estruturais, os textos – que desempenham um papel importante para
a argumentação ao realizarem essa conexão, permitindo uma auto-observação
simplificada: durante as decisões, a observação do sistema jurídico sobre si
mesmo não é como sistema, mas como um conjunto de textos interligados, por meio dos quais deve operar.
A argumentação pode ser
distinguida por redundância/informação ou por redundância/variedade. A primeira
binariedade – sumariamente, redundância é a “não novidade” na comunicação,
enquanto informação é o que faz diferença na comunicação, não dedutível por
referência à redundância – se refere a todas as formas de comunicação; a
segunda, entretanto, é imprescindível para a compreensão do desenvolvimento do
sistema legal e da função da argumentação nesse processo.
A redundância é um conceito
típico da teoria dos sistemas, opondo-se à variedade e formando uma distinção
essencial para a construção sistêmica, de modo a demonstrar um meio para a
contemplação da complexidade existente de forma “quantitativa”. Esse fator – a
redundância – eleva-se, sistemicamente, ao passo que há maior similitude dos
elementos entre si, proporcionando segurança, porquanto há um desenvolvimento
multifacetado de uma mesma função, provendo formas distintas e alternativas quando
se irrompem dificuldades ao sistema. Ao tornar as operações do sistema
indiferentes em relação ao entorno, a redundância cria uma barreira contra ruídos
externos e promove o fechamento operativo; através desse conceito, é possível
indicar o que tem capacidade de novidade ou não nas operações comunicacionais.
Em contrapartida, a
variedade – também fulcral para a autopoiesis
– é compreendida como uma grande diversidade de elementos heterogêneos, do que
decorre o desconhecimento recíproco dos mesmos, um dos outros; destarte, com a
elevação da variação sistêmica, há progressiva abertura cognitiva em relação ao
ambiente, o que propicia a adaptação do sistema ao entorno e reduz as
discrepâncias entre o direito e a sociedade, por exemplo. É por isso que
incumbe ao sistema, concomitantemente, garantir a clausura operacional e também
uma irritabilidade elevada, isto é, a redundância e a variedade.
Na concepção da teoria dos sistemas, a “justiça consiste
na consistência das decisões, então podemos dizer que a justiça é redundância”,
que desonera a argumentação jurídica de ser reconhecida como apenas simples
reconhecimento e prevenção de erros – o que concerne a um observador de
primeira ordem –; por sua vez, a observação de segunda ordem se preocupa com o
entendimento do modo de operação do sistema jurídico e com a consistência dele,
embora haja uma variedade de decisões – e para que o sistema não se desintegre,
é necessária certa redundância a ser estabelecida. A justiça passa a ser
concebida, portanto, não como produto de juízo ético ou moral, mas com função
de permitir que as inconsistências sejam notadas – e os erros, evitados –,
considerando a distinção direito/ética como írrita e deficiente.
De acordo com o autor, a produção de decisão envolve um
problema que é observável como um processo de escolha entre várias
possibilidades distintas, mas que se excluem, em consonância com o código
lícito/ilícito. Nas decisões, prevalecem as argumentações mais razoáveis em
relação às outras, na comparação entre as interpretações realizadas; o
argumento predominante confere ao Direito uma razoabilidade, que, ensejando
“boas razões”, origina uma cultura de princípios, de regras de decisão, de
doutrina – sendo estes, então, referenciados como argumentações posteriores.
Quantos aos argumentos “rechaçados” pelo sistema jurídico, eles poderão, posteriormente,
ser utilizados por certos atores para modificação do direito, produzindo novos
textos, que se submeterão à interpretação e à argumentação. Através das
operações comunicacionais, as boas razões poderão ser declinadas em novos
contextos, resultando em novas respostas aos problemas que se apresentam e que
depende de uma valoração interna, mantendo a autopoiesis do direito, e transformam-se em pontos de vista
definitivos. Sendo reutilizadas constantemente, reiteradamente, as razões são
condensadas em regras, dotadas de caráter genérico e abstrato, para confirmar
as motivações que o subjazem para aplicação em decisões supervenientes; os
princípios são condensados, abrangentemente, e só têm sua consolidação com a
reiterada citação destes no prolongamento temporal e social, e, então,
imbuem-se de poder de convencimento. No geral, a aplicação desses elementos na
maior quantidade possível de casos faz com que haja maior resistência à
substituição por outros valores, outras razões, por conta da tradição.
Em suma, evidencia-se que,
embora não haja caráter normativo na argumentação, trata-se, explicitamente, de
uma fonte do direito, pois se originaram dela as regras e princípios, norteando
as interpretações, e a capacidade jurídica decorre da produção de textos advindo
de processos comunicacionais como a interpretação e a argumentação. Por meio da
teoria dos sistemas, LUHMANN discorre sobre a atuação da argumentação e sua
influência e consequências decorrentes dela no processo decisório, criticando a
dogmática positivista em relação à produção do direito.
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