O dever-ser jurídico apresenta-se mais
uma vez como pura expectativa de concretização do arcabouço jurídico-normativo
no Brasil. Na análise da relação entre a pena privativa de liberdade e as
finalidades da punição no ordenamento jurídico brasileiro, observar-se-á,
explicitamente, uma incompatibilidade entre as premissas do legislador e da
legislação, especificamente ao que se refere à Lei de Execução Penal (LEP) –
Lei Federal nº 7.210/84 –, e a situação concreta dos estabelecimentos
penitenciários.
Destarte,
embora previsto em lei que a execução penal tenha como finalidade “proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado”, no art. 1º da Lei
de Execução Penal, o objetivo permanece como não alcançado, uma vez que a
realidade do preso é, visivelmente, distinta e diametralmente oposta ao que se
propõe juridicamente. Tal como se inferiria a partir de uma observação –
superficial ou profunda – das condições sub-humanas de aprisionamento, e também
a partir dos próprios relatos dos reeducandos
e funcionários do sistema prisional, há uma “má gestão [...], inabilidade
administrativa e técnica.”, como explicita Alvino Augusto de Sá (2007, p. 113),
e evidente despreocupação política, jurídica e social com o aprisionado, e com
o próprio sistema em si, condenando não apenas a ressocialização, como também o
inserindo ainda mais desastrosamente no processo de prisionização,
degradando-o. De forma genérica, pode-se afirmar que não existe nenhum elemento
positivo que emane da sociedade para o cárcere; pelo contrário, há um
antagonismo declarado e um confronto constante, face às relações estabelecidas
com aqueles que cometeram delitos e passam, então, a ser marginalizados – em
uma proporção maior ainda às circunstâncias que já marginalizavam a maioria
deles e os induziram a cometer delitos.
Assim
como a maior parte do ordenamento jurídico, as leis pretendem, mas não se
efetivam, em decorrência da deficiência de uma cooperação entre os sistemas
necessários para uma integração positiva e profícua. Vemos a superpopulação
carcerária, a debilidade para implementação efetiva do regime progressivo – com
todo o “jeitinho brasileiro” para remendar
a inabilidade do Estado no cumprimento de suas propostas jurídicas –, falta de
infraestrutura adequada e de preparo profissional dos envolvidos, fora a
ausência dos recursos materiais e humanos que atingem grande parte dos serviços
públicos nacionais.
Além
disso, a perspectiva sobre o cárcere é ainda mais debilitada com a reiterada demonização de seus “habitantes” e
através da veiculação de informações equivocadas, como atualmente somos capazes
de apreender quando lemos notícias sobre “indultos” de datas comemorativas – a saidinha.
Esse
panorama geral tende a criar as quadrilhas organizadas dentro da prisão. O
próprio documentário demonstra que, como consequência da rejeição e da pouca
importância da sociedade para com os apenados, a organização desses “partidos”
se consolidou como fulcral para que estes recebessem a atenção necessária, e
suas condições analisadas de forma mais humana, de modo que o apoio pode ser
considerado elevado entre os encarcerados, desafiando, então, a autoridade do
governo e problematizando a pena imputada.
Desse
modo, a crítica sobre a pena privativa de liberdade com a pressuposta
finalidade de eficácia na ressocialização do indivíduo e, por conseguinte,
prevenção do cometimento de novos delitos, é constante, visto que, embora seu
potencial frequentemente não alcance os efeitos desejados – mas contrários, advertidos
pela criminologia crítica na dificuldade de reinserção social profissional,
familiar e comunitária. A regressão, infantilização, perda de capacidade psíquica,
dependência social, pobreza intelectual, dificuldade de estabelecer
relacionamentos incluem vários dos efeitos, que estão diametralmente opostos à
concepção da LEP; embora o Código Penal defina que à pena cabe a retribuição e
prevenção, parece que apenas o primeiro vem sendo aplicado intensa e
reiteradamente, enquanto ao segundo cabe a inexistência, e/ou a substituição
por “provocação” de delitos no futuro.
Portanto,
há uma verdadeira necessidade de reavaliação e reformulação da política
criminal e do sistema prisional como um todo. As deficiências são tão visíveis
quanto uma fratura exposta – ou qualquer uma das muitas doenças que acometem
aos presos do Carandiru, por exemplo, sem tratamentos e com perspectiva de
piora e sequelas permanentes –; entretanto, podem e devem ser corrigidas, tanto
pela sociedade, quanto pelo Estado. A primeira deve analisar o cárcere como uma
parte de si, e não alheia, promovendo a reintegração social do preso com uma
aproximação entre ambos, para que se reconheçam num mesmo processo, atenuando
os efeitos da prisionização. O Estado deve agir com maior interesse em suas
políticas para atender às necessidades do encarceramento e tornar os parâmetros
definidos juridicamente pela Lei de Execução Penal em algo sólido, concreto,
palpável, de modo que os indivíduos não sejam reincidentes e tornem às
penitenciárias, promovendo, também, a relação sociedade-preso.
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