domingo, 20 de novembro de 2016

Documentário "Leite e Ferro" e os princípios constitucionais



O PLS – Projeto de Lei do Senado 75/2012 pode ser considerado um avanço relevante para a aplicação da pena privativa de liberdade em consonância com as finalidades da mesma, segundo o ordenamento jurídico. A proposta, que tem, como embasamento da própria proponente – senadora Maria do Carmo Alves, DEM-SE –, objetivo de impedir consequências tanto à parturiente quanto ao nascituro, como a antecipação do parto, está em harmonia com princípios constitucionais de proteção à violência arbitrária e asseguração da dignidade, no que tange à Constituição ter definido, em seu art. 6º, como “direitos sociais [...] a saúde, [...] a proteção à maternidade e à infância” em integralidade aos seus cidadãos, sem descaracterizar indivíduos sob quaisquer circunstâncias, além de ser uma situação também já recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Segundo o documentário, a utilização de algemas é um assunto muito volúvel quanto à prática dentro do sistema carcerário. Revelando-se tão cruel quanto a simples cogitação da ideia de algemar uma mulher durante o seu trabalho de parto – em condições que, creia-se, não sejam confortáveis e/ou bem preparadas –, as encarceradas demonstraram que, não apenas nesse caso específico do parto quanto também durante o banho, alguns agentes demandavam a utilização da ferramenta pelas presas, visando-se, o que se suporia ser, uma segurança maior para impedir a fuga das detentas – argumento relatado por algumas delas. Ademais, a questão torna-se ainda mais complexa quando analisado o fato de que não há um consenso entre esses funcionários, pois, variando de caso a caso, as algemas podem ou não ser impostas em seu uso.

À luz dos princípios constitucionais que regem a execução penal no ordenamento jurídico brasileiro, ponderações importantes podem ser realizadas, visto que a alteração normativa traz consigo valores muito humanitários e caracterizadores de uma pena mais socialmente justa e proporcional. Tal como já fora asseverado, a dignidade das mulheres encarceradas (e de qualquer cidadão) é um princípio constitucional que está intrínseco ao Estado Democrático e Social de Direito que se pretende possuir no país, de tal modo que, em conformidade com o princípio da humanidade das penas, embora o aprisionamento signifique uma punição à conduta lesiva, independente da gravidade do delito praticado, há um parâmetro referencial que não pode ultrapassar determinado limite e extrapolar de modo a afetar essa dignidade – o que se pode analisar e apreender de forma ainda mais intensiva quando se compreende que, durante o trabalho de parto, a mulher já está, pela própria condição natural, vivenciando dores extenuantes, dilatações e contrações vaginais. O Estado é responsável, e esse princípio é considerado o maior entrave legal, de uma infraestrutura e de recursos durante o aprisionamento que sejam capazes de impedir a degradação e a dessocialização dos condenados, assegurando, portanto, o direito constitucional de “respeito à integridade física e moral” (art. 5º, XLIX). Estabelecer esse veto quanto à utilização de algemas no decorrer do trabalho de parto segue, em certa medida, o princípio da pessoalidade da pena, pois, desse modo, prevenindo aqueles riscos já supracitados, as decorrências do encarceramento não incidem, de modo negativo, sobre aquele – a criança – que não foi condenado, não ultrapassando a pessoa do condenado, não punindo outrem por uma circunstância que não pode ser imputável a ele. Assim também podemos afirmar quanto a certa individualização da pena, adaptando o caso específico da parturiente acerca da utilização de algemas sob essas condições.

Nenhum comentário:

Postar um comentário