O ensaio a seguir refere-se
ao questionamento e à análise de SCHAUER quanto à existência de um raciocínio
específico no âmbito jurídico, o que designa como “pensar como um advogado”,
sentença que nomeia a obra. Segundo ele, o objetivo do ensino jurídico é habilitar
para o aluno a ter raciocínio jurídico, e para iniciar esse debate, é proposta
uma reflexão, que embasa o texto: “existe realmente essa forma distinta de
raciocínio?”.
Para iniciar a indagação, o autor diz que há algo mais do
uma forma de pensamento mais eficaz ou racional em comparação com as outras
pessoas, o que descreve como algo próximo de um modo de pensar distinto delas.
Portanto, os operadores do Direito não
contêm em si uma singularidade em decorrência do seu saber específico – que
aparece sob a forma de conhecimento, sustentação oral ou redação –, mas por “algo
além”. Em contraposição a essa perspectiva, os realistas manifestam-se por
ideia contrária: conforme eles, as decisões da Corte são meros frutos de ideologias,
atitudes, preferências próprias daqueles que detêm esse poder, e não pelo raciocínio
jurídico pressuposto. Os psicólogos, por sua vez, sustentam que juízes e
advogados apresentam idênticas restrições na questão de racionalidade de qualquer
um dos tipos de “tomadores de decisão”. Completam ainda os adversários desse
ponto de vista a corrente crítica comum – para esta, advogados são seres
humanos como quaisquer outros, apresentando os mesmos talentos e restrições – e
os céticos – afirmando que há um engodo da realidade, atribuindo peso maior do
que realmente existe e que não é compreensível por outros.
Buscando encontrar o que seria esse raciocínio jurídico,
o autor refuta que argumentos (defensores do raciocínio jurídico) como
facilidade com averiguação de fatos e provas ou maior compreensão de termos
técnicos, assim como empatia, analogia e outras características de advogados sejam
suficientes para sustentar tal concepção, pois não são exclusivos desses
indivíduos. Igual é a sua percepção em relação àqueles que encontram nas regras
positivadas, na preocupação com precedentes ou em raciocínios baseados em
autoridade a comprovação, uma vez que tais situações também são comuns no
âmbito extrajurídico.
Frederick indica não haver pretensão de singularidade, porque
se reconhece que o Direito não é um sistema fechado, isto é, não há
previsibilidade incondicional sobre o que pode vir a acontecer, o que se conduz
à sujeição, no sistema jurídico, não apenas às habilidades explícitas, como
também à complexidade imprevisível da condição humana. Em decorrência dessa
pouca capacidade de previsão, frequentemente se vê forçado a transcender regras
para servir a sociedade da melhor forma. Ademais, “sistema fechado” não pode
ser usado para descrição desse mesmo sistema, pois a metodologia aplicada não é
exclusiva da área.
O que SCHAUER anseia demonstrar não é, portanto, que o
Direito se demonstre como algo único, mas que certos aspectos estão
especificamente concentrados nele. A estranheza
específica representada significa que a decisão tomada no sistema jurídico
não é necessariamente a melhor possível – aquela que seria tomada em
consideração a todos os fatores analisados pelo tomador de decisão, com base na
análise da situação com a qual se depara. A peculiaridade do raciocínio
jurídico está no fato de ser contraintuitivo, buscando resultados diferentes do
que o tomador naturalmente teria escolhido. Com a existência de uma metodologia
especificamente dominante e concentrada na argumentação e na decisão no campo
do direito, satisfaz-se então a tese do raciocínio jurídico.
Erigindo sua concepção consoante com a ideia de garantia
de um resultado que fosse considerado correto para todos ou para a maior
quantidade dos casos particulares, SCHAUER cita COKE para afirmar que é melhor ser
demonstrada uma situação de injustiça única (ou pequena) do que adotar uma
regra que viesse a prejudicar um grande número de outros processos. Assim, é
apresentado o método socrático, que ele afirma ser aplicado por juízes sobre
advogados, principalmente em tribunais de apelação: são expressos os fatos e
traz-se o questionamento sobre qual seria a possível solução; apresentada a
regra que fundamenta essa solução, indaga-se sobre a aplicação da mesma em
hipóteses distintas, provocando consequências distintas. Disso advém que,
embora no exame específico aparenta-se determinada iniquidade, a melhor (e a
que deve ser aplicada) regra é a que produz o melhor resultado em um universo
de várias possibilidades. Esses tribunais em específico têm essa preocupação
porque o que vier a ser decidido ali se torna precedente, e é imprescindível,
destarte, analisar efeitos futuros através de cenários hipotéticos.
Em suma, a obra demonstra que esse raciocínio moderadamente jurídico está pautado em
uma preocupação das aplicações possíveis que difere dos naturais tomadores de
decisão sobre o que pode ser considerado iníquo ou errado em casos específicos,
aspecto relevante em um governo das leis – posicionado opostamente à individualização
e juízos e caprichos pessoais. A afirmação empírica sobre sua subsistência é de
que há disseminação em quantidade suficiente para comprovar o pensar como advogado como algo palpável.
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