domingo, 26 de abril de 2020

Jurisdição Constitucional - Hans Kelsen



• KELSEN, Hans. A jurisdição constitucional in Jurisdição constitucional, São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 121-186
 


1.    A jurisdição constitucional – Hans Kelsen: garantia jurisdicional da Constituição, com perspectiva para a natureza jurídica dessa situação, na teoria, e instrumentos para realizá-la, na prática.
1.1.1.     Mecânica para assegurar exercício regular das funções estatais, que são atos jurídicos – de normas jurídicas a serem (legislação) ou já criadas (execução).
1.1.1.1.           O problema a ser analisado é da regularidade da execução.
1.1.1.2.           A legislação, em relação à Constituição – que a regula –, é um processo de aplicação do direito. Quanto aos decretos e atos subordinados, é criação do direito. A definição varia de acordo com a perspectiva analisada.
1.1.1.3.           Quanto mais concreta é a norma jurídica, isto é, quanto mais baixa for sua posição na relação hierárquica das normas, na pirâmide kelseniana, maior é a limitação e a aplicação, menor é a criação e liberdade do legislador.
1.1.2.      Cada grau do ordenamento é, simultaneamente, produção de direito, em relação às normas subordinadas, e aplicação de direito, para àquelas as quais se subordina.
1.1.2.1.           A regularidade se baseia na relação de correspondência entre normas de grau inferior e superior do ordenamento.
1.1.2.2.           A garantia da Constituição é a garantia da regularidade das regras que se localizam um grau abaixo dela, isto é, das regras que imediatamente se subordinam a ela – as leis.
1.1.3.     Razões políticas e teóricas envolvem o assunto da garantia.
1.1.3.1.           A concepção hierárquica do direito é recente.
1.1.3.2.           Razões políticas estão envolvidas para a garantia da constitucionalidade das leis e da legalidade dos decretos. Influenciam a doutrina.
1.1.3.3.           Não há debate sobre a constitucionalidade nas monarquias absolutas.
1.1.3.4.           Na monarquia constitucional, a Constituição é fulcral na determinação do procedimento de elaboração e execução das leis, com forma constitucional – específica – de modificação.
1.2.   A noção de Constituição.
1.2.1.     A garantia e o modo da garantia constitucional dependem de noção clara da Constituição.
1.2.1.1.           Núcleo permanente: princípio supremo e soberano que determina todo o ordenamento estatal e a essência da comunidade a ele constituinte e subjugada.
1.2.1.2.           É o fundamento do Estado, base do ordenamento jurídico.
1.2.1.3.           Constituição em sentido próprio → regra para criação de normas jurídicas essenciais, determinação dos órgãos e do procedimento legislativo.
1.2.1.4.           A distinção entre forma constitucional e legal ordinária se constitui a partir de procedimento especial e mais rígido de reforma.
1.2.1.5.           Constituições modernas: regras sobre a administração e os órgãos, procedimento de legislação e também direitos fundamentais, liberdades individuais → destarte, constituem diretrizes, princípios, limites para o ordenamento e para leis supervenientes → a Constituição é regra de procedimento e de fundo → inconstitucionalidade formal e material são distinguidas com base nessa ideia.
1.2.2.     A Constituição determina aspectos processuais (formais) e materiais das leis, mas são precisadas por outras leis, sendo a Carta apenas um meio para determinar a inconstitucionalidade.
1.2.2.1.           A Constituição pode determinar as hipóteses de estabelecimento de normas gerais não por votação parlamentar, mas por ato governamental, como decretos de necessidade (medidas provisórias), com a força de lei ordinária.
1.2.3.     A Constituição também pode regular matérias de aplicação imediata, sem necessidade de suplementação superveniente por lei ou regulamento, como é o caso da designação dos órgãos executivos supremos.
1.2.4.     As Constituições modernas são caracterizadas, em geral, no sentido material, pela noção de: regras aos órgãos e ao procedimento legislativo, órgãos executivos superiores e determinação das relações de princípio entre Estado e população (lista de direitos fundamentais).
1.2.4.1.           Assim, normas gerais e atos individuais também podem ser considerados inconstitucionais, devido à subordinação à Constituição.
1.2.4.2.           Kelsen revela que essa extensão da compreensão e do domínio da Constituição pode ocorrer para a alegação de constitucionalidade para os atos individuais, o que, todavia, pode infringir na garantia da regularidade e intervir no domínio administrativo, propiciando um concurso de jurisdições.
1.2.5.     Até então, tratou-se de atos que eram imediatamente subordinados; a partir de agora, falar-se-á de atos que não o são, e, portanto, são apenas “mediatamente inconstitucionais”.
1.2.5.1.           Ao estabelecer a legalidade da execução em geral e dos decretos em particular, observa-se a constitucionalidade indireta pela Carta Magna.
1.2.5.2.           Há uma linha tênue entre inconstitucionalidade direta e indireta, pois ambas apresentam gradações e forma mistas.
1.2.5.2.1.                Exemplo: autorização constitucional imediata e direta a autoridades para baixar regulamentos da sua competência, assegurando a execução das leis que devem aplicar. → assim, o poder decorre diretamente da Constituição, mas as disposições derivam de leis →  o decreto regulamentar difere do decreto de necessidade, em face de sua proximidade com a Constituição.
1.2.5.3.           Os atos administrativos podem ser considerados como inconstitucionais, de outro modo distinto de qualquer outro ato administrativo ilegal. → o princípio da legalidade da execução significa que todo ato de execução deve ser conforme ao ordenamento constitucional e só pode ser executado com base em disposição legal, e por ela autorizada →  se o ato administrativo é feito sem base legal, não é ilegal, mas “sem lei”; portanto, imediatamente inconstitucional (contrariando o princípio constitucional).
1.2.6.     Os tratados internacionais também estão imediatamente constitucionalmente subordinados.
1.2.6.1.           A Constituição dispõe sobre sua elaboração, autorização ao chefe de Estado para a firmação destes, a necessidade de aprovação pelo Parlamento e a de transformação em leis para garantir sua validade.
1.2.6.2.           Também valem os princípios constitucionais para o conteúdo dessas normas, além de manter uma relação de lei para com a Carta. Além disso, também podem ser direta ou indiretamente inconstitucionais, indiferentemente de caráter geral ou individual.
1.2.6.3.           Todavia, o tratado pode ser tratado de duas formas: do ponto de vista interno, é subordinada e determinada pela Constituição, que se encontra em grau supremo; externamente, dada a superioridade do direito internacional, de seu primado, este aparecerá como integrante de ordem jurídica superior aos Estados, criado por uma regra do direito através de órgão determinado pela comunidade internacional, constituído de representantes dos Estados.
1.2.6.4.           Assim, o tratado pode derrogar a Constituição e leis ordinárias, sendo o inverso impossível; observar-se-á a derrogação do tratado apenas em virtude de outro tratado ou por disposições nele contidas    lei constitucional que se contrapõe ao tratado é irregular, contrária ao direito internacional, e contra o princípio pacta sunt servanda.
1.2.6.5.           Outros atos estatais, que não leis, podem contrariar o direito internacional e violar o princípio e as regras estabelecidos →   o direito internacional não tem sanção que não a guerra.
1.3.   As garantias da regularidade.
1.3.1.     Garantias necessárias à proteção da Constituição, desenvolvidas pela técnica jurídica moderna para regularidade dos atos estatais em geral.
1.3.1.1.           As preventivas são para evitar que atos irregulares sejam produzidos.
1.3.1.1.1.                Exemplo: a organização (independência) da autoridade, do órgão em só ser obrigado às normas gerais e à lei, e a nenhum outro poder ou força jurídica; o poder de controle sobre as leis e os regulamentos.
1.3.1.2.           As repressivas são uma reação ao ato irregular uma vez que este tenha sido produzido, impedindo renovação, reparando o que por ele fora causado, extingui-lo e substituí-lo por outro, regular → podem ser fundidos numa mesma medida.
1.3.1.3.           As objetivas, com um aspecto relevante de repressão, são a nulidade e a anulabilidade do ato irregular.
1.3.1.3.1.                A nulidade é um ato que pretende ser jurídico, mas não o é por ser irregular (não atende aos requisitos prescritos pela norma jurídica superior). Por ser nulo, falta-lhe todo o caráter jurídico necessário; assim, não há necessidade de outro ato jurídico para retirar-lhe a qualidade, de modo que, se desse modo o fosse, tratar-se-ia de anulabilidade.
1.3.1.4.           Todos, cidadãos e autoridades públicas, podem examinar e declarar irregularidade do ato nulo, e, portanto, considerá-lo não válido, não cogente. Todavia, apenas quando se observa a limitação da faculdade de exame e declaração de regularidade do ato, de acordo com hipóteses previamente estabelecidas, é que se apresentará um ato que não é, a priori, nulo, mas anulável → atos privados e administrativos são tratados de formas distintas; os últimos, em geral, são considerados anuláveis, mesmo os atos irregulares; a própria autoridade ou outra que seja prejudicada pela decisão é que deve contestar a regularidade da norma → princípio de autolegitimação dos atos das autoridades públicas.
1.3.1.5.           Para o direito positivo, o indivíduo age por sua conta ao desobedecer a ato que considere nulo, isto é, pode ser processado por tal conduta, caso a autoridade competente não declare a nulidade do ato, tanto por não ser nulo ou por ser anulável, e assim não o faz → essa ulterior decisão retroage os efeitos desde a produção do ato.
1.3.1.6.           A análise da anulabilidade de determinada lei, viciada, inválida ou inconstitucional, é pressuposto, diante de autoridade competente, para retirar-lhe os efeitos. A ação do indivíduo contrária a essa lei, com base na crença deste de que esta é nula, antes que o procedimento adequado para o reconhecimento de tanto seja realizado, é feito por conta e risco da pessoa.
1.3.1.7.           A anulabilidade é a possibilidade de tomar o ato irregular como inexistente, retroagindo suas consequências jurídicas, com graus, de alcance e efeito no tempo, distintos.
1.3.1.8.           Quanto ao tempo: a anulação pode ser limitada ao futuro ou também ser estendida ao passado, ou seja, pode ou não ter efeito de retroação. Apenas possui sentido nas consequências jurídicas duradouras, pois, decorrentes de normas gerais. Por questão de segurança jurídica, o efeito retroativo deve ser excepcional, prevalecendo a anulação para o futuro.
1.3.1.9.           Para organização da anulação, é preciso saber qual autoridade é competente para tanto: apenas do próprio órgão da qual emana – protegendo assim a própria imagem de autoridade deste, sua soberania; além do próprio conceito de separação dos poderes – ou outro órgão a que se atribui tal competência.
1.3.1.10.       Sobre o ato anulado: pode ser substituído por um regular por autoridade competente ou pela própria autoridade produtora do ato anulado.

1.4.   As garantias da constitucionalidade. Com o objetivo de garantir a regularidade das funções do Estado, a anulação do ato inconstitucional tem sido o método principal e mais eficaz na garantia da Constituição. As garantias preventivas, pessoais se mostram ineficientes, ao passo que as repressivas são possíveis em relação à legislação produzida – e não ao Parlamento, aos seus membros, ao Congresso em si não são sujeitos à responsabilidade civil ou penal, embora haja responsabilidade pela inconstitucionalidade das leis, na responsabilidade ministerial, por exemplo, pela legalidade e regularidade dos atos. A Constituição, todavia, só tem sido garantida na medida em que atos legais possam ser considerados e declarados como inconstitucionais.
1.4.1.     A jurisdição constitucional.
1.4.1.1.           Atribuir a anulação do ato irregular ao próprio órgão que os gerou só não é tentação maior de garantia de regularidade do que a garantia da Constituição, e, todavia, o procedimento mais contraindicado.
1.4.1.2.           O Parlamento, por exemplo, não declararia inconstitucional ato declarado irregular por outro, e também não pode ser obrigado de modo eficaz por um órgão que realiza o controle de constitucionalidade.
1.4.1.3.           A sugestão de Kelsen é uma jurisdição ou um tribunal constitucional, um órgão diferente do Parlamento, independente dele e de qualquer outra autoridade do Estado, cuja responsabilidade é a anulação de atos inconstitucionais.
1.4.1.4.           Objeções:
1.4.1.4.1.                A primeira está relacionada à soberania do Parlamento, o que Kelsen replica afirmando que a soberania é estatal, e todos devem subjugar-se à Constituição e aos seus princípios, o que permite a existência de uma jurisdição também subjugada.
1.4.1.4.2.                A segunda é sobre o princípio da separação dos poderes, por uma suposta intervenção no poder legislativo ao anular-lhe o ato irregular; entretanto, para Kelsen, a função jurisdicional também é legislativa, do Poder Legislativo, ao criar norma geral por meio da anulação da lei. Assim, para ele, há repartição desse poder em dois órgãos.
1.4.1.4.2.1.                      Para o autor, entender como uma “divisão dos poderes”, uma repartição, e não isolação, entre os diferentes órgãos é mais correto. A jurisdição seria, não contradição, mas confirmação do princípio.
1.4.1.5.           O legislador está preso pela Constituição em relação ao seu procedimento – e ao conteúdo, excepcionalmente –, enquanto o legislador negativo, membro da jurisdição, está absolutamente atado às determinações constitucionais; é, portanto, pequena criação do direito e principalmente aplicação dele.
1.4.1.6.           O modo de recrutamento proposto é uma fusão entre a eleição pelo Parlamento e a nomeação pelo chefe de Estado ou governo, destacando, sempre, a relevância da inclusão de juristas de carreira, atribuindo às Faculdades de Direito ou uma comissão comum delas para apresentar candidatos à parte das vagas.
1.4.1.6.1.                Não deve haver, pelo contrário: deve afastar-se qualquer influência da política da jurisdição constitucional. Igualmente, como pode haver, em determinada medida, uma condução dos juristas por questões políticas, é preferível a participação legítima, e não oculta, dos políticos, elegendo parte das vagas do tribunal pelo próprio Parlamento.
1.4.2.     O objeto do controle de constitucionalidade.
1.4.2.1.           São objeto da jurisdição constitucional as leis (atos dos órgãos legislativos) declaradas inconstitucionais. Submetem-se ao controle da jurisdição todos os atos que revestem a forma de leis, mesmo que normas individuais.
1.4.2.2.           A competência da jurisdição não deve ser apenas o controle de constitucionalidade das leis. Deve afetar também os decretos com força de lei na regularidade de sua constitucionalidade, especialmente os decretos regulamentares, pois não se subjugam diretamente à Constituição, e sua irregularidade provém de sua ilegalidade, e, portanto, mediatamente de sua inconstitucionalidade.
1.4.2.3.           A recomendação é de que, em virtude da infinita gradação existente entre regras gerais que emanam exclusivamente de autoridade administrativa e os atos jurídicos gerais de direito privado, de modo que apenas a primeira modalidade, em si, deve ser objeto ao controle de constitucionalidade.
1.4.2.4.           Os atos individuais administrativos são de competência dos tribunais administrativos, e apenas a eles, para não haver conflitos de competência, e, portanto, não há por que submetê-los ao controle de constitucionalidade.
1.4.2.4.1.                Competem ao tribunal constitucional apenas os atos individuais do Parlamento, em forma de lei ou de tratado internacional (como leis ou regulamentos).
1.4.2.4.2.                Por questões de prestígios ou outras, realizar controle sobre atos dos chefes de Estado ou governo seriam interessante.
1.4.2.5.           Para evitar a existência de muitas jurisdições e/ou jurisdições especiais, uma Suprema Corte de Justiça para concentrar determinados casos seria preferível.
1.4.2.6.           De modo geral, parece claro que só se pode julgar a constitucionalidade de norma em vigor. Todavia, é necessário também que normas gerais ab-rogadas para que estas não possuam nenhum resquício de vigor, nem mesmo sobre as situações que ocorreram durante sua vigência.
1.4.2.6.1.                Kelsen propõe o tribunal constitucional como órgão central para que seja analisada a compatibilidade entre a Constituição nova e as leis antigas, de modo a afastar a possibilidade de diversos tribunais realizarem esse tipo de interpretação.
1.4.3.     O critério do controle de constitucionalidade.
1.4.3.1.           Aos atos imediatamente subordinados constitucionalmente, aplica-se a constitucionalidade; aos atos mediatamente subordinados, é a legalidade a ser controlada – de modo geral, a conformidade com as normas de grau superior.
1.4.3.1.1.                Tanto o procedimento quanto o conteúdo são submetidos ao controle.
1.4.4.     O resultado do controle de constitucionalidade.
1.4.4.1.           As decisões de anulação do tribunal constitucional devem ter força anulatória para a efetiva proteção da Constituição.
1.4.4.2.           Kelsen considera importante delimitar um prazo, como de 3 a 5 anos, para permitir a anulabilidade de determinada lei ou tratado internacional, de modo a manter a segurança jurídica.
1.4.4.3.           A anulação pode determinar prazo posterior para a sua própria vigência ou até mesmo determinar que normas gerais anteriores voltem a vigorar no lugar da norma anulada.
1.4.4.4.           A anulação não é necessariamente integral; ela pode ser aplicada parcialmente a determinadas disposições, desde que o restante mantenha a sua aplicabilidade ou não tenha o sentido proposto pelo legislador modificado nessa decisão, cabendo ao tribunal determinar em que medida fazê-la.
1.4.5.      O processo do controle de constitucionalidade. Os princípios essenciais do processo de controle de constitucionalidade:
1.4.5.1.           Autorização de actio popularis: análise da regularidade de atos da jurisdição, como leis e regulamentos, a pedido de qualquer pessoa, de modo a atender o interesse político na erradicação de atos irregulares; todavia, poderia causar um congestionamento e ações temerárias.
1.4.5.2.           Permissão para determinadas autoridades públicas, superiores, ou apenas aos tribunais, para, uma vez que questionem a regularidade do ato, apresentassem ao tribunal constitucional a motivação do pedido.
1.4.5.3.           O processo deve ser marcado pelo princípio da publicidade e pela oralidade, sendo incluídos no procedimento a autoridade do ato contestado (presidente do órgão), a instância do pedido e o particular interessado (por advogados).
1.4.5.4.           A decisão do tribunal tem como consequência da decisão a própria anulação do ato examinado, publicado em Diário Oficial, por exemplo, ato a partir da qual valeria a anulação.

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