domingo, 26 de abril de 2020

Estudos sobre Direitos Fundamentais – Bypass Social (J. J. G. Canotilho)


A discussão central está pautada na concretização dos direitos sociais nos Estados Democráticos de Direito.
A primeira perspectiva foi a de tomar a posição jurídico-prestacional com equivalente densidade jurídico-subjetiva dos direitos de defesa. A geração é considerada, doutrinária e jurisprudencialmente, primordialmente de caráter conservador, como deveres objetivos prima facie do Estado, e não como direitos subjetivos que sejam dignos de prestação diretamente decorrente da Lei Maior, adotando a percepção de que a obrigação estatal é de garantia de um mínimo de existência digna, de conteúdo mínimo do direito.
A segunda analisou a dependência da legislação para a concreção dos direitos sociais previstos constitucionalmente, tendo como parâmetro a reserva do possível. A dimensão normativa da sociedade seria dada pelo postulado de realização gradativa dos direitos sociais, e não uma exigência de otimização direta e imediata dos mesmos; essa visão se vê comprometida quando o neoliberalismo passa a ser hegemônico e o Estado Social, decadente. Os direitos sociais sofrem um retrocesso considerável.
O terceiro momento é caracterizado por um debate sobre a auto-aplicabilidade das normas constitucionais e o discurso social sobre os direitos fundamentais, demonstrando que a força normativa constitucional seria reobservada através de uma interpretação pós-positivista da sociedade. Mais adiante, os direitos sociais são categorizados como de indeterminabilidade aplicativa, mas de força impositiva no desenvolvimento de políticas públicas.
A elevação da situação do princípio de dignidade da pessoa humana como basilar da sociedade diminui a substância dos direitos sociais na perspectiva jurídico-constitucional, passando-se a questionar a eficiência e a eficácia dos serviços estatais em prol das ações do governo. O princípio era considerado satisfeito desde que cumprido os mínimos da dignidade, e os direitos sociais, econômicos e culturais sofrem uma “redução eidética”; os direitos sociais, a partir de então, eram meras projeções da dignidade humana, e não autônomos em si. Ademais, bens sociais transmudaram-se em bens privados, por influência das políticas liberais: o Estado é um conjunto de serviços privados, e a otimização dos direitos sociais decorre não apenas de sua presença no texto constitucional, mas de boas práticas de governança e de um gerenciamento dos recursos disponíveis.

A constituição social diretora depende da construção de novos fundamentos dogmáticos, o que se observaria com a racionalização de prestações sociais dos direitos de segunda geração. Os juízes analisam os casos de modo que os direitos são considerados como contemplados pelas normas constitucionais, e, por conseguinte, a política consagra esses direitos com prestações gratuitas para sua realização; entretanto, foge à interpretação positivista o fato de que o direito posto não decorre na concreção dos direitos sociais pelos entes públicos.
Para os liberais, não há, nos direitos sociais, a característica intrínseca da dignidade dos direitos subjetivos e as normas que os preveem são meramente programáticas, necessitando de complementação normativa (políticas públicas) e sendo apenas excepcionalmente asseguradas pelo Poder Público, dado que são bens privados. Todavia, a ficção da mão invisível não é suficiente para superar os problemas sociais. Precedentes portugueses reforçam a concepção de que o mínimo social equivale ao mínimo de dignidade, o que conforma no retrocesso social dos direitos.
Inicia a discussão sobre a atuação jurídico-política na substancialização dos direitos sociais.
A primeira questão está pautada na determinação do que é o núcleo essencial de direitos, liberdades e garantias, o que se torna complicado na ponderação entre bens e direitos conflitantes; a essência de um direito pode ser classificada como residual, como “conceito-limite” ante a aplicação de postulados como a razoabilidade e a proporcionalidade; também a categoria poderia ser tratada como mero postulado do pós-guerra para reafirmar a garantia da liberdade e dos direitos pessoais.
Instrumentos normativos, como leis e regulamentos, poderiam ser utilizados como forma de determinar diretrizes de boas práticas ou padrões observáveis e mecanismos de governança para permitir o controle jurisdicional de conflitos de prestação estatal – desse modo, a análise casuística não se basearia no texto constitucional, mas na lei que expressa a solidificação do núcleo da subjetivação dos direitos sociais.
O poder constituinte instituído poderia contemplar instrumentos reguladores presentes em outras disciplinas e a carta de direitos dos usuários dos serviços públicos. Assim, a qualidade dos serviços de saúde seria aferível a partir da observação de padrões técnicos e humanos determinados em códigos de boas práticas e não apenas na mera execução hierárquica de disciplinas presentes em regulamentos e procedimentos administrativos.
A concretização de direitos na vida judicial também é relevante ponto, permitindo o reconhecimento entre a equiparação do núcleo primordial de prestações sociais e o núcleo essencial de direitos, liberdades e garantias. Assim, argumentos como reserva do possível e caráter programático são formas de neutralização da concretização dos direitos sociais previstos constitucionalmente. Entretanto, não incumbe aos tribunais a extrapolação dos limites jurídicos ou da criação de pressupostos de fato e de direito que não estão presentes em sua competência. A proibição do retrocesso social deve ter aplicação em consonância com a razoabilidade e racionalidade nos momentos de escassez e austeridade, pois são momentos em que a manutenção do núcleo essencial do direito social depende de uma redução da prestação social. Acerca do “mínimo existencial”, os tribunais retiram fundamento da dignidade da pessoa humana (de forma abusiva, o que dessubstancializa os direitos) e asseveram uma função prestacional do Estado em cada um dos direitos negativos de liberdade. O limite para estes seria, entretanto, a não possibilidade de interferência do Judiciário nas políticas públicas.
 


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