domingo, 26 de abril de 2020

Aplicabilidade das normas constitucionais - José Afonso da Silva


·                    SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 7a ed., São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 63-87.

1)                 NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO À EFICÁCIA.

                               I.            O problema da eficácia das normas constitucionais.
1.      Inicia-se com as incertezas terminológicas, criando barreiras para sua solução e formulação científica.
2.      A questão não é presente apenas no direito constitucional, mas na ciência jurídica como um todo.
a.       Carlos Cossio aponta a utilização de termos como positividade, vigência, eficácia, observância, facticidade e efetividade pelos juristas para referir-se ao Direito.
b.      A teoria egológica de Cossio trata apenas sobre validez e vigência do Direito, assumindo que as outras terminações são sinônimas, pois aludem à mesma coisa.
c.       O autor aponta inconsistência no método utilizado para resolução da questão ao atribuir conotações espíritas, embora haja ligações, entre positividade, vigência e eficácia.
3.      O sociologismo jurídico reduz o problema da vigência na própria eficácia, ao afirmar que vigente é o Direito que é aplicado de modo eficaz, o que se traduz na conduta dos indivíduos e não apenas na letra, sem força para impor-se à sociedade.
a.       Aplica-se ao exemplo de que normas constitucionais – programáticas – não são vigentes enquanto lei ordinária ou complementar não pô-las em ação efetivamente.
4.      Para o normativismo, há clara distinção entre vigência e eficácia. A vigência compreende o dever-ser, é a existência específica da norma, norma como objeto do Direito e, por conseguinte, prevalece na lógica kelseniana. A eficácia é o fato de a norma ser efetivamente aplicada e cumprida; um mínimo desta é condição para a vigência. Portanto, a norma valer (vigente) é diferente de a mesma ser aplicada e respeitada (eficaz), embora haja certo vínculo; e esta vigora antes de ser eficaz.
5.      A positividade do Direito não coincide com vigência ou eficácia, é a realidade empírica da experiência, a “existência como presença do Direito”; portanto, supera ambos os conceitos, pois o Direito positivo – oposto ao natural – pode ser subdividido em a) o dotado de vigência, b) o que já a perdeu e c) o que a obterá.
6.      Resumo:
a.       A positividade exprime aspecto de Direito que rege a conduta humana, através de normas bilaterais e atributivas, socialmente postas; pode ser histórica ou atual;
b.      O Direito vigente caracteriza o Direito que rege aqui e agora as relações, é o Direito presente, oposto ao histórico;
c.       A eficácia do Direito compreende a eficácia social, o fato de a norma ser obedecida e aplicada (efetividade); no contexto jurídico, significa  alcançar as metas propostas do legislador com seus ditames; a eficácia jurídica, portanto, traduz em produzir efeitos jurídicos durante o regulamento das situações, relações e comportamentos.
d.      Os dois sentidos de eficácia são diversos; uma norma pode ser juridicamente eficaz sem sê-la socialmente.

                            II.            Normas constitucionais mandatórias e normas constitucionais diretórias.
1.      No plano da eficiência jurídica, a ciência enfrenta o questionamento sobre classificação das normas, “para explicar a maneira como o imperativo se manifesta”.
2.      O caráter imperativo se expressa na determinação de conduta positiva (agir – preceptivas, impõem essa conduta) ou omissão (não-agir – proibitivas, impõem essa omissão). A distinção é de importância filosófica, visto que as normas podem atender a comandos preceptivos ou proibitivos, o que se analisa em direito constitucional com os direitos e garantias fundamentais.
3.      Para Del Vecchio, estas normas são primárias – são suficientes em si mesmas, expressando a regra obrigatória do agir –, enquanto outras são secundárias, pois dependem de outras.
a.       Por normas secundárias entendem-se as regras declarativas ou explicativas – as interpretativas e permissivas não são secundárias.
o   Declarativas ou explicativas: contêm definições sobre vocábulos ou conceitos.
o   Interpretativas: determinam e conceituam o sentido de outras normas.
o   Permissivas (ou facultativas): possibilitam determinada permissão sem obrigar a determinação de conduta positiva ou omissiva.
§  Crença da doutrina de que nem todo Direito é imperativo, combatida por Del Vecchio ao apontar de que estas não tem razão de ser. Todavia, não é esse o fato, pois elas são, sobretudo, exceções às proibições do ordenamento jurídico – em que reside seu caráter imperativo.
4.      Classificação das normas segundo a eficácia:
a.       Normas coercitivas: determinam imposição ou abstenção sobre ação, sem considerar a vontade dos envolvidos – são preceptivas e proibitivas.
b.      Normas dispositivas: são complementos de outras ou auxiliam as partes na busca de seu objetivo legal. Possibilitam acomodação particular e são aplicadas caso não haja acordo entre as partes – são imperativas (há obrigatoriedade de incidência em determinada condição).
5.      As normas constitucionais pertencem ao ius cogens, fato reconhecido. A questão paira quanto à existência de normas constitucionais dispositivas.
a.       Normas irrenunciáveis ou inderrogáveis por estabelecerem direitos, obrigações e deveres de natureza pública das relações de direito constitucionais, sem possibilidade de ação dos agentes constitucionais.
b.      Há possibilidade de uso de poder discricionário, segundo normas de aplicação facultativa – exemplos: celebração de convênios, outorga de competência sem obrigação de exercício.
c.       Não são facultativas (como permissões do direito privado): facultam uma ação, excluem qualquer outra ou vedam obtenção dos fins previstos a não ser nos termos autorizados. Figuram como vinculantes.
6.      Não há normas constitucionais supletivas (como no direito privado). Na jurisprudência norte-americana, se distinguem:
a.       Mandatory provisions (prescrições mandatórias) – cláusulas essenciais ou materiais de cumprimento obrigatório e indispensável;
b.      Directory provisions (prescrições diretórias) – cláusulas regulamentares, cuja disposição pode se realizar de outra forma, sem consideração sobre a inconstitucionalidade do ato.
c.       Na Constituição estão preceitos de importância como instrumento para controlar governo e governados.
d.      Francisco Campos considera como a mesma distinção entre leis formais – diretórias, por não estarem contidas matérias constitucionais – e materiais – mandatórias, essencialmente constitucionais.
e.       A constituição escrita repugna distinção entre leis em sentido material e formal. Por serem constitucionais, detêm a mesma força, provida pelo instrumento a que aderem, sem abertura para distinção pelo legislador em essencial ou substancial, imperativa ou mandatória, acessória ou diretória.
f.       A provisão constitucional é essencial, indispensável, imperativa, pois é irremovível por outros argumentos e envolve matéria de interesses público ou referente a direitos individuais, portanto, substancial.
7.      Certa corrente doutrinária italiana distingue as normas constitucionais em:
a.       Mandatórias e diretórias.
b.      Considerando que há:
o   Cláusulas preceptivas – caráter impositivo e peremptório.
o   Cláusulas diretivas – não obrigatórias e desrespeitáveis, sem tornar-se inválida.

                         III.            Normas constitucionais “self-executing” e “not self-executing”.
1.      Classificação das normas constitucionais segundo aplicabilidade:
a.       Self-executing provisions (disposições auto-aplicáveis): aplicáveis, revestidas de total eficácia jurídica, pois regulam diretamente matérias, situações ou comportamentos.
b.      Not self-executing provisions (disposições não auto-aplicáveis): aplicabilidade dependente de leis ordinárias.
c.       Distinção causada pela consubstanciação das constituições às normas, princípios e regras de caráter geral, com desenvolvimento e aplicação por parte do legislador.
2.      Questões sobre a teoria e a realidade da aplicação de normas, principalmente na sugestão de que certas normas não ineficazes e não imperativas. Nem as auto-aplicáveis são completamente suficientes em si, ao estarem sujeitas a legislação ordinária, nem as não auto-aplicáveis são nulamente eficazes, uma vez que detém certos efeitos jurídicos e sua eficácia, mesmo que restrita. Cada norma seria, portanto, executável por si mesma.
3.      Nenhuma norma é completa ou de todo ineficaz. 
4.      A classificação pura não atende às exigências da ciência jurídica ou às necessidades práticas da aplicação da constituição por sugerir normas ineficazes e não imperativas.
a.       Cada norma é sempre executável por si até “onde possa, até onde seja suscetível de execução”.
5.      Teoria norte-americana não destaca a relevância de normas programáticas, o que leva a uma visão não ordenada e científica de seus efeitos jurídicos.
a.       Reelaboração doutrinária da matéria, com formulação mais adequada aos novos conteúdos das constituições contemporâneas, direcionadas à efetivação de valores sociais.

                         IV.            Concepção moderna sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais: o problema terminológico.
1.      Análise científica do tema, incitada por decisões judiciais sobre eficácia e aplicabilidade dessas normas.
a.       Empenhada em dissídios doutrinários, alcança uma orientação capaz de resultados alentadores, que salientam a importância das normas programáticas no ordenamento jurídico.
2.      Constituição italiana.
a.       Tribunal Penal de Roma firma princípio geral de que norma constitucional tem eficácia de revogar tacitamente disposições incompatíveis com ela.
b.      Teoria: disposições constitucionais podem ser de natureza programática e natureza jurídica. São geradas as:
o   Classificação quanto à eficácia: preceptivas e diretivas.
o   Distinção das normas em programáticas (negando sua juridicidade – apenas indicam via ao legislador futuro à negação de eficácia; normas jurídicas divergentes ainda serão válidas) e de natureza jurídica.
o   CRÍTICA: não há constituição normas que não sejam de natureza jurídica – estarem inscritas já atribui-lhe natureza de normas fundamentais e essenciais; não há dúvida quanto à sua juridicidade ou valor normativo.
3.      Reconhecimento de eficácia e valor jurídico diverso entre as normas. Impossibilidade de não haver dimensão jurídica.
4.      Jurisprudência e doutrina italianas formula classificação:
a.       Diretivas ou programáticas, dirigidas ao legislador.
o   Não excluem que leis emanadas não conformes a elas
o   Não atingem leis preexistentes.
b.      Preceptivas, obrigatórias, de aplicabilidade imediata.
o   Comandos jurídicos de aplicação direta e imediata.
o   Invalidam lei nova discordante.
o   Modificam ou ab-rogam anteriores contrastantes.
c.       Preceptivas, obrigatórias, sem aplicabilidade imediata.
o   Aplicabilidade direta, mas não imediata.
o   Invalidam novas leis infringentes.
o   Enquanto aplicação suspensa, não atingem eficácia de lei anterior.
d.      Classificação inaceitável à fundamenta leis jurídicas e não-jurídicas.
                            V.            A tríplice característica das normas constitucionais quanto à eficácia e aplicabilidade.
1.      Não há norma constitucional sem eficácia.
a.       De todas irradiam efeitos jurídicos.
b.      Não expressa a completude dos efeitos pretendidos sem normação complementar ou ordinária.
c.       Diferenciam-se apenas pelo grau dos efeitos jurídicos.
d.      É insuficiente distinguir em
o   Eficácia plena: aplicação imediata.
o   Eficácia limitada:
§  Normas de legislação.
§  Normas programáticas.
e.       Classificação considerada por direitos e garantias fundamentais.
2.      Consideração sob tríplice característica:
a.       Normas constitucionais de eficácia plena.
o   Produzem (ou podem produzir) efeitos essenciais, pois assim foi criada normativamente, incidindo sobre a matéria que tem por objeto.
o   Aplicabilidade direta, material e integral.
b.      Normas constitucionais de eficácia contida
o   Normas que incidem imediatamente e produzem (ou podem) todos os efeitos queridos, com meios ou conceitos sob certos limites, em certas circunstâncias.
o   Aplicabilidade direta, imediata, mas não integral.
c.       Normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida
o   Não produzem os efeitos essenciais, pois não foi estabelecida normatividade sobre a matéria à fica para legislador ordinário ou órgão estatal.
o   Aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
3.      Eficácia limitada é dividida em dois grupos:
a.      Programáticas: (artigos 196 e 217) à versam sobre matéria ético-social, programas de ação social.
b.      de legislação: não tem conteúdo ético-social, mas se inserem na parte organizativa da constituição.
c.       Essa classificação não corresponde, pois há normas que são ambos ao mesmo tempo. Normas de legislação não indicam o conteúdo da norma.
4.      Normas constitucionais quanto à eficácia e aplicabilidade:
a.      De eficácia plena, aplicabilidade direta, imediata e integral.
b.      De eficácia contida, aplicabilidade direta, imediata e não integral.
c.       De eficácia limitada
o   Declaratórias de princípios institutivos ou organizativos
o   Declaratórias de princípio programático.




 

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