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SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade
das normas constitucionais, 7a ed., São Paulo: Malheiros,
2007, pp. 63-87.
1)
NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO À EFICÁCIA.
I.
O problema da eficácia das normas
constitucionais.
1. Inicia-se com as incertezas terminológicas,
criando barreiras para sua solução e formulação científica.
2. A questão não é presente apenas no direito
constitucional, mas na ciência jurídica como um todo.
a. Carlos Cossio aponta a utilização de termos
como positividade, vigência, eficácia,
observância, facticidade e efetividade
pelos juristas para referir-se ao Direito.
b. A teoria egológica de Cossio trata apenas
sobre validez e vigência do Direito, assumindo que as outras terminações são sinônimas,
pois aludem à mesma coisa.
c. O autor aponta inconsistência no método
utilizado para resolução da questão ao atribuir conotações espíritas, embora
haja ligações, entre positividade, vigência e eficácia.
3. O sociologismo jurídico reduz o problema da
vigência na própria eficácia, ao afirmar que vigente é o Direito que é aplicado
de modo eficaz, o que se traduz na conduta dos indivíduos e não apenas na
letra, sem força para impor-se à sociedade.
a. Aplica-se ao exemplo de que normas
constitucionais – programáticas – não são vigentes enquanto lei ordinária ou
complementar não pô-las em ação efetivamente.
4. Para o normativismo, há clara distinção entre
vigência e eficácia. A vigência compreende o dever-ser, é a existência
específica da norma, norma como objeto do Direito e, por conseguinte, prevalece
na lógica kelseniana. A eficácia é o fato de a norma ser efetivamente aplicada
e cumprida; um mínimo desta é condição para a vigência. Portanto, a norma valer
(vigente) é diferente de a mesma ser aplicada e respeitada (eficaz), embora
haja certo vínculo; e esta vigora antes de ser eficaz.
5. A positividade do Direito não coincide com
vigência ou eficácia, é a realidade empírica da experiência, a “existência como
presença do Direito”; portanto, supera ambos os conceitos, pois o Direito
positivo – oposto ao natural – pode ser subdividido em a) o dotado de vigência,
b) o que já a perdeu e c) o que a obterá.
6. Resumo:
a. A positividade
exprime aspecto de Direito que rege a conduta humana, através de normas
bilaterais e atributivas, socialmente postas; pode ser histórica ou atual;
b. O Direito vigente caracteriza o Direito que
rege aqui e agora as relações, é o Direito
presente, oposto ao histórico;
c. A eficácia do Direito compreende a eficácia social, o fato de a norma ser
obedecida e aplicada (efetividade);
no contexto jurídico, significa alcançar
as metas propostas do legislador com seus ditames; a eficácia jurídica, portanto, traduz em produzir efeitos jurídicos
durante o regulamento das situações, relações e comportamentos.
d. Os dois sentidos de eficácia são diversos; uma
norma pode ser juridicamente eficaz sem sê-la socialmente.
II.
Normas constitucionais mandatórias e normas
constitucionais diretórias.
1. No plano da eficiência jurídica, a ciência
enfrenta o questionamento sobre classificação das normas, “para explicar a maneira
como o imperativo se manifesta”.
2. O caráter imperativo se expressa na
determinação de conduta positiva (agir – preceptivas,
impõem essa conduta) ou omissão (não-agir – proibitivas,
impõem essa omissão). A distinção é de importância filosófica, visto que as
normas podem atender a comandos preceptivos ou proibitivos, o que se analisa em
direito constitucional com os direitos e garantias fundamentais.
3. Para Del Vecchio, estas normas são primárias –
são suficientes em si mesmas, expressando a regra obrigatória do agir –,
enquanto outras são secundárias, pois dependem de outras.
a. Por normas secundárias entendem-se as regras declarativas ou explicativas – as interpretativas e permissivas não são
secundárias.
o
Declarativas
ou explicativas: contêm definições sobre vocábulos ou conceitos.
o
Interpretativas:
determinam e conceituam o sentido de outras normas.
o
Permissivas
(ou facultativas): possibilitam determinada permissão sem obrigar a
determinação de conduta positiva ou omissiva.
§ Crença da doutrina de que nem todo Direito é
imperativo, combatida por Del Vecchio ao apontar de que estas não tem razão de
ser. Todavia, não é esse o fato, pois elas são, sobretudo, exceções às
proibições do ordenamento jurídico – em que reside seu caráter imperativo.
4. Classificação das normas segundo a eficácia:
a. Normas
coercitivas:
determinam imposição ou abstenção sobre ação, sem considerar a vontade dos
envolvidos – são preceptivas e proibitivas.
b. Normas
dispositivas: são
complementos de outras ou auxiliam as partes na busca de seu objetivo legal.
Possibilitam acomodação particular e são aplicadas caso não haja acordo entre
as partes – são imperativas (há obrigatoriedade de incidência em determinada
condição).
5. As normas constitucionais pertencem ao ius cogens, fato reconhecido. A questão
paira quanto à existência de normas constitucionais dispositivas.
a. Normas irrenunciáveis ou inderrogáveis por
estabelecerem direitos, obrigações e deveres de natureza pública das relações
de direito constitucionais, sem possibilidade de ação dos agentes
constitucionais.
b. Há possibilidade de uso de poder
discricionário, segundo normas de aplicação facultativa – exemplos: celebração
de convênios, outorga de competência sem obrigação de exercício.
c. Não são facultativas
(como permissões do direito privado): facultam uma ação, excluem qualquer outra
ou vedam obtenção dos fins previstos a não ser nos termos autorizados. Figuram
como vinculantes.
6. Não há normas constitucionais supletivas (como
no direito privado). Na jurisprudência norte-americana, se distinguem:
a. Mandatory
provisions (prescrições
mandatórias) – cláusulas essenciais ou materiais de cumprimento obrigatório e
indispensável;
b. Directory
provisions (prescrições
diretórias) – cláusulas regulamentares, cuja disposição pode se realizar de
outra forma, sem consideração sobre a inconstitucionalidade do ato.
c. Na Constituição estão preceitos de importância
como instrumento para controlar governo e governados.
d. Francisco Campos considera como a mesma distinção
entre leis formais – diretórias, por não estarem contidas matérias
constitucionais – e materiais – mandatórias, essencialmente constitucionais.
e. A constituição escrita repugna distinção entre
leis em sentido material e formal. Por serem constitucionais, detêm a mesma
força, provida pelo instrumento a que aderem, sem abertura para distinção pelo
legislador em essencial ou substancial, imperativa ou mandatória, acessória ou
diretória.
f. A provisão constitucional é essencial,
indispensável, imperativa, pois é irremovível por outros argumentos e envolve
matéria de interesses público ou referente a direitos individuais, portanto,
substancial.
7. Certa corrente doutrinária italiana distingue
as normas constitucionais em:
a. Mandatórias e diretórias.
b. Considerando que há:
o
Cláusulas
preceptivas – caráter impositivo e
peremptório.
o
Cláusulas
diretivas – não obrigatórias e
desrespeitáveis, sem tornar-se inválida.
III.
Normas constitucionais “self-executing” e “not
self-executing”.
1. Classificação das normas constitucionais
segundo aplicabilidade:
a. Self-executing
provisions (disposições
auto-aplicáveis): aplicáveis, revestidas de total eficácia jurídica, pois
regulam diretamente matérias, situações ou comportamentos.
b. Not
self-executing provisions (disposições
não auto-aplicáveis): aplicabilidade dependente de leis ordinárias.
c. Distinção causada pela consubstanciação das
constituições às normas, princípios e regras de caráter geral, com
desenvolvimento e aplicação por parte do legislador.
2. Questões sobre a teoria e a realidade da
aplicação de normas, principalmente na sugestão de que certas normas não
ineficazes e não imperativas. Nem as auto-aplicáveis
são completamente suficientes em si, ao estarem sujeitas a legislação
ordinária, nem as não auto-aplicáveis são
nulamente eficazes, uma vez que detém certos efeitos jurídicos e sua eficácia,
mesmo que restrita. Cada norma seria, portanto, executável por si mesma.
3. Nenhuma norma é completa ou de todo
ineficaz.
4. A classificação pura não atende às exigências
da ciência jurídica ou às necessidades práticas da aplicação da constituição
por sugerir normas ineficazes e não imperativas.
a. Cada norma é sempre executável por si até “onde possa, até onde seja suscetível de
execução”.
5. Teoria norte-americana não destaca a
relevância de normas programáticas, o que leva a uma visão não ordenada e
científica de seus efeitos jurídicos.
a. Reelaboração doutrinária da matéria, com
formulação mais adequada aos novos conteúdos das constituições contemporâneas,
direcionadas à efetivação de valores sociais.
IV.
Concepção moderna sobre a eficácia e
aplicabilidade das normas constitucionais: o problema terminológico.
1. Análise científica do tema, incitada por
decisões judiciais sobre eficácia e aplicabilidade dessas normas.
a. Empenhada em dissídios doutrinários, alcança
uma orientação capaz de resultados alentadores, que salientam a importância das
normas programáticas no ordenamento jurídico.
2. Constituição italiana.
a. Tribunal Penal de Roma firma princípio geral
de que norma constitucional tem eficácia de revogar tacitamente disposições incompatíveis com ela.
b. Teoria: disposições constitucionais podem ser
de natureza programática e natureza jurídica. São geradas as:
o
Classificação
quanto à eficácia: preceptivas e diretivas.
o
Distinção
das normas em programáticas (negando sua juridicidade – apenas indicam
via ao legislador futuro à negação de eficácia; normas jurídicas divergentes ainda serão
válidas) e de natureza jurídica.
o
CRÍTICA:
não há constituição normas que não sejam de natureza jurídica – estarem
inscritas já atribui-lhe natureza de normas fundamentais e essenciais; não há
dúvida quanto à sua juridicidade ou valor normativo.
3. Reconhecimento de eficácia e valor jurídico
diverso entre as normas. Impossibilidade de não haver dimensão jurídica.
4. Jurisprudência e doutrina italianas formula
classificação:
a. Diretivas
ou programáticas, dirigidas
ao legislador.
o
Não
excluem que leis emanadas não conformes a elas
o
Não
atingem leis preexistentes.
b. Preceptivas,
obrigatórias, de
aplicabilidade imediata.
o
Comandos
jurídicos de aplicação direta e imediata.
o
Invalidam
lei nova discordante.
o
Modificam
ou ab-rogam anteriores contrastantes.
c. Preceptivas,
obrigatórias, sem
aplicabilidade imediata.
o
Aplicabilidade
direta, mas não imediata.
o
Invalidam
novas leis infringentes.
o
Enquanto
aplicação suspensa, não atingem eficácia de lei anterior.
d. Classificação inaceitável à fundamenta leis jurídicas e não-jurídicas.
V.
A tríplice característica das normas
constitucionais quanto à eficácia e aplicabilidade.
1. Não há norma constitucional sem eficácia.
a. De todas irradiam efeitos jurídicos.
b. Não expressa a completude dos efeitos
pretendidos sem normação complementar ou ordinária.
c. Diferenciam-se apenas pelo grau dos efeitos jurídicos.
d. É insuficiente distinguir em
o
Eficácia
plena: aplicação imediata.
o
Eficácia
limitada:
§ Normas de legislação.
§ Normas programáticas.
e. Classificação considerada por direitos e
garantias fundamentais.
2. Consideração sob tríplice característica:
a. Normas
constitucionais de eficácia plena.
o
Produzem
(ou podem produzir) efeitos essenciais, pois assim foi criada normativamente,
incidindo sobre a matéria que tem por objeto.
o
Aplicabilidade
direta, material e integral.
b. Normas
constitucionais de eficácia contida
o
Normas
que incidem imediatamente e produzem (ou podem) todos os efeitos queridos, com
meios ou conceitos sob certos limites, em certas circunstâncias.
o
Aplicabilidade
direta, imediata, mas não integral.
c. Normas
constitucionais de eficácia limitada ou reduzida
o
Não
produzem os efeitos essenciais, pois não foi estabelecida normatividade sobre a
matéria à fica para legislador ordinário ou órgão estatal.
o
Aplicabilidade
indireta, mediata e reduzida.
3. Eficácia limitada é dividida em dois grupos:
a.
Programáticas: (artigos 196 e 217) à versam sobre matéria ético-social, programas
de ação social.
b.
de legislação: não tem conteúdo ético-social, mas se inserem
na parte organizativa da constituição.
c.
Essa
classificação não corresponde, pois há normas que são ambos ao mesmo tempo. Normas de legislação não indicam o
conteúdo da norma.
4. Normas constitucionais quanto à eficácia e
aplicabilidade:
a.
De
eficácia plena, aplicabilidade direta, imediata e integral.
b.
De
eficácia contida, aplicabilidade direta, imediata e não integral.
c.
De
eficácia limitada
o
Declaratórias
de princípios institutivos ou organizativos
o
Declaratórias
de princípio programático.
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